25.1.10

Lamento pelo Haiti


(Leonardo Boff 14.12.1938)

Há uma via-sacra de sofrimento com estações que nunca acabam no pequeno e pobre país do Haiti. Sofrimento no corpo, na alma, no coração, na mente assaltada por fantasmas de pânico e morte. Há também muito sofrimento em todos que não perderam o senso mínimo de humanidade e de solidariedade. Dessa compaixão universal nasce uma misteriosa comunidade que anula diferenças, religiões, ideologias que antes nos separavam e nos dividiam. Agora só conta a comum humanitas absurdamente maltratada e que deve ser socorrida.

Em cada haitiano que sofre soterrado ou que morre de sede e de fome, morremos um pouco também todos nós junto com eles. Finalmente somos irmãos e irmãs da única e mesma família humana. Como não sofrer?

Mas há também um sofrimento profundo e dilacerante nas pessoas de fé que proclamam que Deus é Pai e Mãe de bondade e de amor. Como continuar a crer? Queixosos nos perguntamos: ``Deus, onde estavas quando se formou aquele tremor raso que dizimou os teus filhos e filhas mais pobres e sofridos de todo o extremo Ocidente? Por que não intervieste? Não és o Criador da Terra com seus continentes e suas placas tectônicas? Não és Pai e Mãe de ternura, especialmente, daqueles que são como teu Filho Jesus os injustamente crucificados da história? Por quê?``

Esse silêncio de Deus é aterrador porque não tem resposta. Por mais que gênios como Jó, Buda, Santo Agostinho, Tomás de Aquino, Leibniz e outros tivessem arquitetado argumentos para isentar Deus e esclarecer a dor, nem por isso a dor desaparece e a tragédia deixa de existir. A compreensão da dor não suspende a dor, assim como ouvir receitas culinárias não mata a fome. O próprio Jesus não foi poupado da angústia do sofrimento. Do alto da cruz lançou um brado lancinante ao céu, queixando-se: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?"

Damos razão a Jó, com ``amigos`` que lhe queriam explicar o sentido de sua dor: ``Vós não sois senão charlatães, não sois senão médicos de mentira; se ao menos vos calásseis, os homens tomar-vos-iam por sábios``. Mas não podemos calar. A dor é demasiada e a noite, tenebrosa. Precisamos de alguma luz.

Mesmo sem luz, continuamos a crer com o coração partido, porque estamos convencidos de que o caos e a tragédia não podem ter a última palavra. Deus é tão poderoso que pode tirar um bem do mal. Apenas não sabemos como. Esperançosos, fazemos uma aposta nesta possibilidade que não deixa nossas lágrimas serem vãs. Ademais, cremos que Deus pode ser aquilo que nós não compreendemos. Acima da razão que quer explicações, há o mistério que pede silêncio e reverência. Ele esconde o sentido secreto de todos os eventos também daqueles trágicos.

Identifico-me com o poema de um grande argentino que perdeu um filho na repressão militar: Juan Gelman:

"Pai, desce dos céus, esqueci as orações que me ensinou minha avó, pobrezinha, ela agora repousa, não tem mais que lavar, limpar, não tem mais que preocupar-se, andando o dia todo atrás da roupa, não tem mais que velar de noite, penosamente, rezar, pedir-te coisas, resmungando docemente.

``Pai, desce dos céus, se estás, desce, então, pois morro de fome nesta esquina, não sei para que serve haver nascido, olho as mãos inchadas, não tem trabalho, não tem, desce um pouco, contempla isto que sou, este sapato roto, esta angústia, este estômago vazio, esta cidade sem pão para meus dentes, a febre, cavando-me a carne, este dormir assim, sob a chuva, castigado pelo frio, perseguido.

`Te digo que não entendo, Pai, desce, toca-me a alma, toca-me o coração, eu não roubei, nem assassinei, fui criança e em troca me golpeiam e golpeiam, te digo que não entendo, Pai, desce, se estás, pois busco resignação em mim e não tenho e vou encher-me de raiva e estou disposto a brigar e vou gritar até estourar o pescoço de sangue, porque não posso mais, tenho rins, e sou um homem, desce.

"Que fizeram de tua criatura, Pai? Um animal furioso que mastiga a pedra da rua? Pai, desce".

Que o Pai desça sobre os haitianos com seu amor.

19.1.10

MONOGRAFIA

PORQUE A INFINITUDE DE DEUS INVIABILIZA A FINITUDE DO HOMEM, N'A ESSÊNCIA DO CRISTIANISMO , EM LUIDWIG FEUERBACH

Curso Licenciatura em Filosofia
UECE - Universidade Estadual do Ceará

17.1.10

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho primeiramente a Dona Mãe, Odete Soares, pelo seu amor incondicional, exemplo de firmeza e serenidade diante das alegrias e desafios vivenciados e aos meus filhos Marina e Maurício, por terem sido, de diferentes formas, estímulos fundamentais para que eu levasse até o fim esta empreitada, vindo a descobrir um pouco mais sobre o sentido da minha missão. In memoriam, dedico a Aloísio Nunes Rodrigues, por ter me instigado, intuitiva e sabiamente, o caminho da Filosofia. De coração, dedico à todas e todos que foram compreendendo ou sentindo minhas necessidades e me ajudando a percorrer o caminho...

AGRADECIMENTO

Gratidão eterna, à Mestra, Professora e Orientadora Eliana Sales Paiva pela empatia, simpatia, confiança, paciência, carinho, amizade, sabedoria, humanidade, amor e compromisso filosófico ao multiplicar seus conhecimentos. Muito grata por ter, ao longo dessa jornada, me incentivado a não somente “pensar” que podia, mas, principalmente, a “sentir” que seria capaz de realizar muito mais...

BASEADO NO LIVRO




RESUMO

A presente Monografia discorre através do pensamento crítico do filósofo Ludwig Feuerbach, analisado na obra A Essência do Cristianismo, onde desenvolve a idéia do equívoco que é a plenitude de Deus e o quanto tal conceito acaba por dificultar o projeto de um homem pleno e livre. Para tanto procura demonstrar o quanto a alienação religiosa compromete a visão do homem de si mesmo, fazendo com que se sinta imperfeito e cada vez mais distante da sua própria essência, diante da onipotência e grandiosidade do Ser perfeito que é Deus. Somente a partir de um investimento na consciência de finitude e limites do homem é que se torna possível provar que a unidade entre o finito e o infinito, não se realizam no Absoluto, mas no próprio homem. Com isso Feuerbach procura demonstrar que o homem é o Deus dele mesmo e que todo pensamento do homem sobre Deus é pensamento sobre o próprio homem. Para tanto, o presente estudo foi dividido em três capítulos: 1° Influências recebidas e geradas, 2° Resenha da obra A Essência do Cristianismo e 3° A plenitude de Deus e a questão da inviabilidade da finitude do homem.

PALAVRAS-CHAVES: Infinitude, Antropologia e Alienação.

SUMÁRIO ORIGINAL

Resumo
Introdução
CAPÍTULO 1
Influências recebidas e geradas
1.1. Influências recebidas
A Filosofia – Max Stirner e Hegel
A Teologia – Bauer
1.2. Influências geradas
Alienação – Marx e Engels
CAPÍTULO 2
Resenha da Obra
2.1. A Antropologia como predicado da essência do sujeito finito
2.2. As distinções entre os predicados antropológicos e teológicos como essência de Deus infinito
CAPÍTULO 3
Porque a plenitude de Deus inviabiliza a finitude do homem
3.1. Infinitude de Deus x Finitude Humana
3.2. Teologia x Antropologia
3.3. Porque a plenitude de Deus inviabiliza a finitude do homem
Conclusão
Bibliografia

QUE É A RELIGIÃO?


Ludwig Feuerbach
(29.07.1804 - 13.09.1872)

"O solene desvelar dos tesouros ocultos do homem,
a revelação dos seus pensamentos íntimos,
a confissão pública dos seus segredos de amor. "

"Como forem os pensamentos e as disposições do homem,
assim será o seu Deus;
quanto valor tiver um homem,
exatamente isto e não mais, será o valor do seu deus.
Consciência de deus é autoconsciência,
conhecimento de deus é autoconhecimento ".

"Deus é a mais alta subjetividade do homem,
abstraída de si mesmo. "

"Este é o mistério da religião: o homem projeta o seu ser na objetividade e então se transforma a si mesmo num objeto face a esta imagem de si mesmo, assim convertida em sujeito".


(Ludwig Feuerbach - A Essência do Cristianismo)

A REDE DE PALAVRAS


Rubem Alves - (15.09.1933)
Comentador Feuerbach

Sabia que a religião é uma linguagem?
Um jeito de falar sobre o mundo...
Em tudo, a presença da esperança e do sentido...
Religião é tapeçaria que a esperança constrói com palavras.
E sobre estas redes as pessoas se deitam.
É. Deitam-se sobre palavras amarradas umas nas outras.
Como é que as palavras se amarram?
É simples. Com o desejo.
Só que, às vezes, as redes de amor viram mortalhas de medo.
Redes que podem falar de vida e podem falar de morte.
E tudo se faz com as palavras e o desejo.
Por isto, para se entender a religião,
É necessário entender o caminho da linguagem.

“...e havia trevas sobre a face do abismo e um vento impetuoso soprava a superfície das águas. E disse deus: ‘- Haja luz.’ E houve luz...”

“No princípio era a Palavra.”


(Rubem Alves, O Suspiro dos Oprimidos)

INTRODUÇÃO

Neste trabalho de Monografia apresentamos os traços fundamentais da crítica de Ludwig Feuerbach ao fenômeno da religião, sobretudo na forma como conduz seus argumentos sobre a idéia de Deus. Com o objetivo de demonstrar que a teologia deve ser destruída em favor da antropologia, procuramos discorrer na maneira como o autor reduz os atributos divinos da teologia em atributos humanos da antropologia, não de uma forma simplesmente cética, mas de maneira rigorosa, profunda e crítica.

Em Feuerbach vamos encontrar a primeira crítica que a filosofia faz à religião como doutrina. Tarefa que, aliás, acabou por comprometer sua carreira para o resto da vida. Na obra A Essência do Cristianismo ele procura desconstruir a teologia para formar a antropologia, procurando demonstrar que a idéia de um Deus pleno à luz da teologia revela a existência de um ser perfeito, transcendente, onipotente, universal, infinito e absoluto que o homem não é, nem pode ser. Já a antropologia, um conhecimento sistemático a respeito do homem, vai demonstrar que a finitude das capacidades humanas reside exatamente no real limitado, que a plenitude de Deus gera um ser humano pecador e sem sentido. Por isso, desconstruir a teologia em Feuerbach, significa demonstrar as falhas dessa idéia quando relacionada ao homem e o equívoco desta noção universalista, procurando provar através da desmitificação da teoria religiosa que a absolutidade de Deus só esvaece o homem.

A necessidade de abordar o pensamento deste autor se deu não só pelo fato de constatarmos uma lacuna no tocante a estudos críticos sobre seu pensamento na bibliografia filosófica brasileira, mas também, e principalmente, pela sua relevância num momento de importante virada da maneira de filosofar no Ocidente, marcando a ruptura com os sistemas idealistas dos séculos XVIII e XIX.

Feuerbach é, geralmente, conhecido por sua crítica filosófica a religião e ao cristianismo, como podemos constatar nas suas principais obras: A Essência do Cristianismo e Preleções sobre a Essência da Religião. Além dessas duas publicou: "Pensamento sobre a morte e sobre a imortalidade" (1830); "Crítica à filosofia hegeliana" (1839); "Teses provisórias para a reforma da filosofia" (1843); "Princípios da filosofia do futuro" (1844); "A essência da religião" (1845); "Teologia segundo as fontes da antiguidade clássica judaica-cristã" (1857); "Divindade, liberdade e imortalidade do ponto de vista da antropologia" (1866); "Espiritualismo e materialismo" (1866); "O eudemonismo" – obra póstuma.

Apesar de não termos por objetivo aqui abordar detidamente a história da recepção do pensamento feuerbachiano, observamos nas pesquisas realizadas sobre Feuerbach, que sua obra na maioria das vezes é considerada somente, ou em relação à filosofia hegeliana ou na sua relação com o pensamento de Marx. A originalidade e a autonomia da filosofia de Feuerbach ficaram praticamente esquecidas e sua filosofia tratada apenas como passagem do idealismo de Hegel para o materialismo de Marx. No entanto, o que podemos constatar também em nossas pesquisas, é que Feuerbach ocupa uma posição muito especial na historia da filosofia, na medida em que marca, no século XIX, a ruptura com a especulação, especialmente com a filosofia de Hegel, vindo a influenciar profundamente o pensamento moderno.

A questão de Deus em todos os tempos, sempre interessou ao homem. Ter escolhido para Monografia de final do curso de Licenciatura em Filosofia uma obra que abordasse a questão da religião, foi algo muito significativo para mim, pois aqui tive a oportunidade de combinar os interesses do curso com meus interesses intelectuais particulares. Neste trabalho de pesquisa para a compreensão do processo feuerbachiano de transformação da teologia em antropologia, pude encontrar uma grande afinidade com pensamentos que sempre me interessaram aprofundar, relacionados ao problema de Deus e da religião, como por exemplo, a razão de ser da necessidade do homem de buscar incessantemente por algo além de si mesmo, muitas vezes com isso negando a sua própria divindade.

Por isso, o título-questão deste trabalho - Por que a plenitude de Deus inviabiliza a finitude do homem, na obra A Essência do Cristianismo, de Ludwig Feuerbach. Aqui, pretendo evocar todas as significações possíveis do ponto de vista deste autor para demonstrar que a infinitude de Deus e a potencialização do fenômeno religioso pelo homem, torna inexeqüível a sua tarefa finita. Pela dificuldade de reconhecer em si mesmo a existência de uma essência positiva e infinita, esse homem acaba por transformar-se num ser fraco, pecador, sem sentido e alienado diante de algo maior e mais poderoso que ele, um ser em quem não admite a possibilidade de equiparar-se.

“A Essência do Cristianismo contém uma crítica radical da teologia. Mais do que isto, ela contém uma “demitologização” das pretensões teóricas da religião. Como, portanto, justificar a nossa afirmação anterior, de que Feuerbach era um apaixonado pela religião? Ele mesmo nos dá a resposta. Sua intenção não era destruir, mas redescobrir; não silenciar a voz da religião, como ilusão ou quimera, mas oferecer um código que nos permitisse entender os seus segredos”. [1]

Feuerbach considera que sua obra se propõe ao desenvolvimento de uma nova filosofia, uma filosofia que seja fiel ao homem e não a uma escola ou corrente. Para tanto adota como objeto principal a religião e, em particular, o cristianismo. Por considerar que a religião é a essência imediata do homem, e que, além disso, contém toda uma simbologia capaz de explica-la, é através dela que procura desvendar os tesouros escondidos no mais profundo da alma humana, principalmente com a finalidade de reduzir atributos divinos da teologia a atributos humanos da antropologia.

A questão da alienação é um ponto bastante relevante para a compreensão do fenômeno religioso em Feuerbach. O autor considera que o êxtase e o arrebatamento religiosos seriam as formas mais intensas de manifestações da alienação humana. A alienação religiosa faz com que o homem real não seja pleno, coisa que só é possível a partir de um investimento no seu ser finito. Segundo Feuerbach há uma unidade entre o finito e o infinito, essa unidade não se realiza em Deus ou na Idéia Absoluta, mas sim no homem, em um homem que não pode ser reduzido a puro pensamento, mas que deve ser considerado em sua totalidade, em sua naturalidade e em sua sociabilidade.

Sabemos que a religião sempre desempenhou um papel fundamental na história do homem concreto. O próprio autor defende a idéia de que devemos procurar nos entender como um todo. No momento em que isso ocorrer, ou seja, quando aprendemos a nos relacionar com a nossa própria essência, nesse instante, podemos compreender outras possibilidades de relações existentes no próprio homem.

“A religião é o solene desvelar dos tesouros ocultos do homem, a revelação dos seus pensamentos íntimos, a confissão pública dos seus segredos de amor.”[2]

O homem desloca o seu ser para fora de si antes de encontrá-lo em si: e esse encontro, essa aberta confissão ou admissão de que a consciência de Deus nada mais é do que a consciência da espécie acaba por consignar que de fato, todas as qualificações do ser divino são qualificações do ser humano - o ser divino é unicamente o ser do homem libertado dos limites do indivíduo, isto é, dos limites da corporeidade e da realidade, mas objetivado, ou seja, contemplado e adorado como outro ser, diferente dele. Religião é o comportamento do homem perante seu próprio infinito. Nisso está a verdade. Por outro lado, a falsidade da religião está em o homem tornar, independente de si mesmo, o seu próprio ser infinito, separando-o e opondo-o como diferente de si, produzindo a bipolaridade Deus-homem, alienando assim o último, ou seja, empobrecendo-o. Tudo isso Feuerbach prova sob o argumento de que o homem é o Deus dele mesmo, que todo pensamento sobre Deus é pensamento a respeito do próprio homem: “O ser absoluto, o Deus do homem é o próprio ser do homem”.

Por isso escolhi o aprofundamento na obra de Feuerbach neste trabalho de Monografia, para tentarmos compreender, conduzidos pelos seus argumentos, a razão de ser do homem necessitar tanto da idéia de divindade, e somente a partir daí, buscar se tornar homem e realizar-se enquanto ser. Para tanto, este estudo foi dividido em três capítulos: 1° Influências recebidas e geradas, 2° Resenha da obra A Essência do Cristianismo e 3° A plenitude de Deus e a questão da inviabilidade da finitude do homem.

[1] RUBEM, Alves, O Suspiro dos Oprimidos, p.37
[2] FEUERBACH, Ludwig, A Essência do Cristianismo, p. 56

CAPÍTULO 1 - INFLUÊNCIAS

Este capítulo tem como objetivo contextualizar a obra de Feuerbach, A Essência do Cristianismo, em relação ao momento do seu surgimento, dentro do movimento filosófico cultural do período de transição compreendido entre uma corrente de pensamento de concepção idealista e outra que conduziria ao materialismo histórico. Aqui procuramos expor as principais concepções em torno da teoria feuerbachiana, partindo da filosofia do espírito absoluto de Hegel, passando pela filosofia crítica de Feuerbach e sua demonstração da ilusão que a teologia faz da religião até a teoria da alienação em Marx, este posicionando-se radicalmente contra a religião e rejeitando qualquer hipótese acerca da existência de Deus. Com isso visamos introduzir o leitor ao pensamento de Feuerbach, filosofo que consideramos de importância relevante pela sua contribuição para uma percepção filosófica revolucionária da teologia e de Deus, numa compreensão da religião sem os tradicionais pressupostos dogmáticos e por acabar estimulando outras reflexões que conduzam cada um a novos sentidos acerca da sua própria relação com a idéia de Deus.

1.1. INFLUÊNCIAS RECEBIDAS


Georg Wilhelm Friedrich Hegel
(27.08.1770 - 14.11.1831)

Ludwig Feuerbach nasceu em Landschut, Baviera, no dia 29 de julho de 1804. Em 1823 iniciou, em Heidelberga, o estudo da teologia, passando depois para a filosofia. Em 1824 começou a freqüentar as aulas de Hegel em Berlim. Em 1828 obteve a livre-docência na Universidade de Erlangen, com a dissertação De ratione una, universali, infinita, na qual já começa a desenvolver o seu pensamento em polêmica com Hegel. O caráter independente e o extremismo das suas concepções interromperam a sua carreira acadêmica, mas isto lhe permitiu dedicar-se com maior empenho à reflexão e a redação dos seus escritos. Feuerbach morreu em 13 de setembro de 1872, em Rechenberg, perto de Nuremberga, Alemanha, aos 68 anos.

Todo o pensamento de Feuerbach visa a desconstrução dos conceitos religiosos tradicionais, sem com isso pretender suprimir a religião, que, aliás, ele considera necessária por tornar presentes no homem os seus ideais. O que ele deseja é alertar contra as ilusões causadas pela religião “... especialmente contra a ilusão de se entender o ser no qual se hipostatizam os ideais do homem como se ele não fosse o homem, mas algo que existisse em si mesmo.” [1], o que para Feuerbach é a grande fraqueza da religião, a causa de todo erro e fanatismo.

Inicialmente Feuerbach tornou-se um fervoroso hegeliano, mas acabou distanciando-se do mestre, tendo em vista que a filosofia especulativa de Hegel não rompe com a teologia. Hegel reconhece a verdade da esfera da religião, deixa-a subsistir ao lado da esfera da filosofia, admitindo que a religião exprime, na forma de representação ou imaginação o absoluto que a filosofia consegue apreender na forma de conceito; enquanto Feuerbach em oposição á especulação procura converter a teologia em antropologia sem deixar resíduos, mostrar que não há verdade da religião a não ser pela conversão integral, consciente e voluntária de sua esfera na filosofia e na política. Fazendo do objeto da filosofia “o mais real dos seres” e não “uma essência abstrata”, substituindo o espírito pelo homem real e total, Feuerbach denuncia os equívocos do discurso hegeliano e apresenta-se como filósofo conseqüente e decidido da imanência sem restrições”[2]

Depois da morte de Hegel, a escola hegeliana se dividiu diante do problema da interpretação da doutrina religiosa, nascendo assim a direita e a esquerda[3] hegeliana. Porém nos restringiremos aqui a esquerda hegeliana, com o intuito de explicitar o fio condutor da religião como questão filosófica. Max Stirner, Bruno Bauer, o próprio Feuerbach, Engels e Karl Marx, foram alguns dos discípulos que compuseram a esquerda hegeliana, e que foram convertendo-se de uma concepção idealista para uma compreensão essencialmente materialista da história e de toda a realidade, cada um trazendo a sua contribuição para a transformação da filosofia especulativa.

Max Stirner se opõe a Hegel de modo veemente, destruindo toda a base religiosa do seu pensamento. Em sua principal obra “O único e sua propriedade”, Stirner faz uma crítica radicalmente anti-autoritária e individualista da sociedade prussiana contemporânea bem como à tão citada modernidade da sociedade ocidental. Oferece ainda um vislumbre da existência humana que descreve o ego como uma não-entidade criativa além da linguagem e da realidade, ao contrário do que pregava boa parte da tradição filosófica ocidental. Seu livro proclama que todas as religiões e ideologias se assentam em conceitos vazios, que, após solapados pelos interesses pessoais, egoístas dos indivíduos, revelam sua invalidade. O mesmo é válido às instituições sociais que sustentam estes conceitos, seja o estado, a igreja, o sistema educacional, ou outra instituição que reclame autoridade sobre o indivíduo. Para ele a idéia de um ser supremo é uma criação da mente humana, pois não existe nenhum Deus além, acima e fora do homem. Deus é a própria essência do homem sublimada, pelo qual o homem é capaz de fazer os piores sacrifícios, negando sua liberdade e se submetendo a lei. Para Stirner toda religião é imoral porque submete o homem ao decreto divino e lhe prescreve obediência e resignação. A argumentação de Stirner explora e extende os limites da crítica hegeliana que o autor dirige a seus contemporâneos, principalmente a seus colegas hegelianos, especialmente Feuerbach quando disse que “...este substituíra meramente a palavra Deus pela palavra Homem. Dessa forma, Feuerbach rezaria pelo homem.” Segundo Stirner, “ele não teria deixado de ser hegeliano, porque apenas transpôs o ideal teológico e divino por uma noção abstrata de humanidade.”[4]. Feuerbach num artigo publicado em 1845, em Vierteljahreschrift de Wigand, intitulado “Essência do Cristianismo em sua Relação com O Unico e sua Propriedade”, rebate e trava uma polêmica contra as críticas de Stirner, e, numa outra ocasião escreve a seu irmão dizendo ser Stirner “o autor mais genial e livre que conheci". Apesar de toda a sua crítica à religião, Stirner não chega a fundamentar uma filosofia humanística de fato.

Hegel havia ensinado a seus alunos ver a história do mundo como um processo dialético, ditado e dirigido pelo espírito absoluto ou pela razão implícita dos acontecimentos. Esses se sucederiam segundo uma férrea lógica: tudo o que é fenece em decorrência de sua contradição interna; tudo o que é sobrevive na síntese superior em que tese e antítese se unem. Bruno Bauer, em nome da própria dialética hegeliana, desmantela todas as presunções do pensamento absoluto ao dizer que a dialética exige, com efeito, que o processo do pensamento admita que qualquer afirmação que pretenda impor-se como verdadeira em sentido absoluto, resulte, por isso mesmo falsa: o próprio processo do pensamento se encarrega de anulá-la. Tudo é relativo. O absoluto e a eternidade de Deus são substituídos pela perene mutabilidade e infinita variedade pelas quais a natureza humana demonstra a sua inexaurível capacidade. O Homem é o novo Deus do homem: a humanidade é o único ideal legitimo dos indivíduos humanos.

Hegel havia afirmado energicamente que a religião e a filosofia tinham o mesmo conteúdo, mas também proclamou a distinção entre uma e outra, demonstrando que enquanto a religião exprime o conteúdo na forma de representação, a filosofia exprime-o na forma de conceito:“É verdade que Hegel não se tinha pronunciado sobre os problemas especificamente teológicos, como os de Deus, da encarnação e da imortalidade da alma; no entanto, é preciso reconhecer que os princípios da sua doutrina não só não exigiam, como de certo modo, não lhe permitiam que se pronunciasse sobre o assunto. Com efeito, por outro lado, Hegel reconhecia à religião histórica plena validade no âmbito da sua forma, portanto no campo da representação; por outro, sustentava que o conteúdo da religião devia ser retomado pela filosofia e integrado ao plano dos conceitos, onde esses problemas deixam de ter o mesmo significado. Todavia, Hegel tinha apresentado a sua filosofia como justificação especulativa das realizações históricas do espírito do povo: a Igreja e o Estado; assim se explica a posição de muitos discípulos em manterem-se fiéis ao espírito do mestre, utilizando a sua filosofia para justificarem as crenças religiosas tradicionais.”[5]

Feuerbach retoma com mais ordem e incisividade as críticas de Stirner e Bauer a Hegel no terreno da religião, contribuindo, deste modo, para a plena realização da “reformulação” materialista do idealismo. N’A Essência do Cristianismo, afirma contra Hegel que “o fundamento da verdadeira filosofia não é por o finito no infinito, mas o infinito no finito”[6], isto é, que a tarefa da filosofia não é provar que o homem é produzido por Deus, mas, inversamente, que Deus é produzido pelo homem, ou seja, “não foi a idéia (Deus) que criou o homem, mas o homem que criou a idéia (Deus)”[7].

Feuerbach encontrou no hegelianismo uma filosofia que permite pensar o indivíduo e a subjetividade em sua relação com o todo, o espírito ou o gênero. O que o levará a se distanciar do sistema hegeliano é a ambigüidade com que este apresenta a religião. Hegel e ainda mais os jovens hegelianos tendem a deixar religião e filosofia lado a lado em coexistência pacífica. Para Feuerbach, trata-se desde logo de pensar o gênero ou a essência humana e não um ser estranho à mesma, significando a crença num ser transcendente um desconhecimento da verdadeira natureza humana e de sua relação com o divino que a caracteriza.

Num contexto mais amplo, a obra de Feuerbach se situa no longo processo de esclarecimento religioso, iniciado com o renascimento italiano e levado a cabo pelo iluminismo europeu no séc. XVIII. Se a religião sem a filosofia leva ao mundo fantástico das representações mais supersticiosas, a filosofia da religião peca por sacrificar a fantasia religiosa no altar da razão, vendo somente o momento racional em toda representação religiosa.

Feuerbach critica assim, o procedimento filosófico comum da modernidade, que consiste em se aproximar da religião, quando isto é feito, com o intuito de descobrir um núcleo de racionalidade na mesma ou, mais genericamente, de estabelecer a relação que ainda é possível entre uma verdade seguramente conhecida pela razão e uma verdade pretensamente revelada. Este procedimento acaba por reduzir a religião a algo que ela não é e nem pode ser, fazendo dela um veículo fraco e distorcido de expressão das verdades da razão. No fim do processo de esclarecimento, a religião já não encontra um lugar adequado no mundo das representações, tendo finalmente soado a hora de seu ocaso. O pensamento que busca salvar a religião, reservando-lhe um lugar delineado e fixado pela razão, não salva nada de essencial, pois “não é aquilo em que a fé concorda com a razão geral que fundamenta a essência da fé, mas sim aquilo através do que ela diverge da razão.”[8] Se a razão é o lugar do universal, a religião é o lugar do particular, e, sobretudo, se a razão se esgota no pensamento do universal em conceitos, a fé religiosa dela se diferencia por se apresentar em imagens, uma descrição perfeitamente hegeliana do distintivo da religião. Feuerbach, no entanto, propõe-se tratar das imagens religiosas como imagens, evitando reduzi-las a pensamentos, como teria feito Hegel em sua superação filosófica da religião. “Neste livro não se tornaram as imagens da religião nem pensamentos – pelo menos no sentido da filosofia especulativa da religião – nem realidades, mas são consideradas como imagens – isto é, a teologia não é tratada nem como uma pragmatologia mística, como o é pela mitologia cristã; nem como ontologia, como o é pela filosofia especulativa da religião, mas como uma patologia psíquica.”[9]

Ao desafio moderno de um mundo e de um homem sem Deus e sem divino, Feuerbach responde com uma divinização do humano. Por isso, sua relação com a religião nunca será meramente negativa, mas sempre crítica, procurando separar o que nela há de verdadeiro daquilo que é falso. Este processo apóia-se em última instância no princípio hegeliano, segundo o qual a verdadeira religião manifesta o espírito humano numa forma inferior de representação, cabendo à filosofia chegar ao mesmo com a forma conceitual superior de representação, ou dito à maneira de Feuerbach: “A religião é a primeira autoconsciência do homem. Sagradas são as religiões precisamente por serem a transmissão da primeira consciência do homem.”[10] Feuerbach antropologiza não só o espírito hegeliano, mas, e de forma quase enciclopédica, as representações religiosas em geral. Contudo, seu processo de antropologização não significa uma dessacralização do universo, como no caso do iluminismo, mas antes redunda numa sacralização do próprio homem. Se em Hegel a dignidade do homem resulta de ser ele a consciência de Deus, para Feuerbach a consciência que o homem tem de si mesmo é algo divino.

[1] MONDIN, Batista, Curso de Filosofia,vol. III, p.94
[2] HUISMAN, Denis, Dicionário dos Filósofos, p.369
[3] MONDIN, Batista, Curso de Filosofia,vol. III, p.47
Os hegelianos da direita, J.K.F. Rosenkranz e G. Herdermann, alterando a doutrina do mestre, procuram o acordo com a ortodoxia e com a fé cristã tradicional, salvando a imortalidade da alma individual, a união da natureza divina e humana na pessoa de cristo, a personalidade e a transcendência de Deus, etc. Os hegelianos de esquerda, L. Feuerbach, K. Marx e outros, desenvolvem a filosofia de Hegel como radical negação dos fenômenos sobrenaturais da vida religiosa. A direita teve vida breve, ao passo que a esquerda se afirma amplamente.
[4] DUCLÓS, Miguel, Texto A Manutenção do Pensamento de Marx, E-mail: miguel@consciencia.org,
[5] Cf. ABBAGNANO, Nicola - História da Filosofia – vol IX, pág 223.Vide:: AQUINO,Marcelo F. de, O Conceito da Religião em Hegel, São Paulo, Editora Loyola, 1ª ed., 1989- Filosofia 10= Coleção dirigida pela Faculdade de Filosofia do Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus. Vide: VAZ, Henrique C. de Lima – Escritos de Filosofia: problemas de Fronteira, editora Loyola, 1ª ed. São Paulo, 1980 – Filosofia 3 = Coleção dirigida pela Faculdade de Filosofia do Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus. VAZ, Henrique C. de Lima – Escritos de Filosofia II : Ética e Cultura, editora Loyola,1ª ed. São Paulo, 1988, Filosofia 8, anexo VI: Cultura e Religião, pág 280 à 288
[6] MONDIN, Batista, Curso de Filosofia, Vol. III, p.93
[7] Idem
[8] FEUERBACH, Ludwig, A Essência do Cristianismo, p. 19
[9] FEUERBACH, Ludwig, A Essência do Cristianismo, p. 19
[10] FEUERBACH, Ludwig, A Essência do Cristianismo, p. 309

1.2. INFLUÊNCIAS GERADAS


Karl Marx
(5.05.1818 - 14.03.1883)

A teoria feuerbachiana causou profunda influência na filosofia do século XIX. Os primeiros a se entusiasmarem com ela foram os jovens hegelianos, dentre eles Max Stirner e Karl Marx. Mas a noção materialista de humanismo ateu iria alcançar um reflexo maior no século em que foi proclamada a morte de Deus. Quem mais alto bradou sua morte foi Nietzsche, inicialmente em A Gaia Ciência (1882) e posteriormente em sua obra-prima Assim Falou Zaratustra (1885). Feuerbach influenciou o teólogo Strauss, o político Arnold Ruge, o socialismo verdadeiro, os vulgarizadores Heinzen, W. Marr, H. Ewerbeck, o biólogo Moleschott, o esteta Hermann Hettner, o poeta Herwegh, o realista Gottfied Keller, Richard Wagner também, quando este escreve A Obra de Arte do Futuro.

Como podemos ver, filosofos e personalidades das mais diversas áreas de atuação se aproveitaram das veredas abertas pela crítica de Feuerbach à religião e à teologia, tornando sua obra fundamental como preparação para a ruptura com a filosofia especulativa hegeliana e abertura da perspectiva tanto dos agitadores políticos quanto dos novos projetos de pensamento filosofico e político, como o de Marx. Para o desenvolvimento do pensamento marxista especialmente, sua obra representa um ponto de virada decisivo, tendo em vista que Feuerbach, nas palavras do próprio Engels constituiu “um membro intermediário entre a filosofia hegeliana e nossa própria concepção”[1], a concepção materialista do mundo.

Marx no inicío adotou alguns conceitos e terminologias de Feuerbach. No primeiro manuscrito de 1844, por exemplo, já trata da questão da alienação. A palavra alienação era um termo que fazia parte do vocabulário de Feuerbach, para quem a religião era considerada uma alienação, por levar o homem a colocar sua essência e sua humanidade num Ser fora de si próprio, no mundo invertido da divindade. Na alienação o homem vira um ser que não se pertence e que adora os ídolos que projeta.

A alienação é um dos temas mais centrais do pensamento filosófico ocidental. Frequentemente, entretanto, não nos damos conta de que este conceito encerra três sentidos bastante distintos. O primeiro deles tem o seu lugar no contexto do discurso político-social. (...) a sociedade só pode ser explicada se, no ato que a fundou, os indivíduos abandonaram os seus projetos individuais, oriundos de suas estruturas biológicas e psicológicas, e se entregaram a uma ordem superior, produto deste próprio ato de renúncia própria. Este ato de abandono da vontade individual em favor de uma vontade coletiva instaurada por meio de um contrato é o que se denomina alienação. (...) O segundo uso do conceito alienação encontra o seu lugar no discurso epistemológico. Contrariamente ao seu uso jurídico, a alienação se refere aqui especificamente aos estados subjetivos de individuos e grupos. Alienado é o indivíduo cujas idéias não constituem conhecimento efetivo do real, mas são antes expressões de estados emocionais individuais e coletivos. (...) Assim, os ídolos de Bacon, a religião em Feuerbach, a ideologia em Marx, a neurose em Freud são expressões de alienação. (...) O terceiro sentido do conceito de alienação encontra o seu lugar nos discursos que buscam compreender a condição humana em toda a sua particularidade emocional e afetiva. (...) Alienação significa, aqui, o caráter ameaçador da realidade externa, tanto de indivíduos quanto de estruturas; significa o movimento de recolhimento subjetivo; significa a artificialidade das regras de operação efetiva pelas quais nos comportamos socialmente. Significa, em última análise, o esfacelamento e a fragmentação da experiência humana, dividida entre uma identidade reprimida e uma funcionalidade imposta. O conceito de alienação tem sido usado com grande frequência para qualificar os fenômenos religiosos. E existe um sentido deste conceito que os próprios teóricos da religião aceitariam. Na verdade, a religião é sempre uma expressão de alienação, “o suspiro da criatura oprimida”, um “protesto contra o sofrimento real... (ALVES, Rubem, O Suspiro dos Oprimidos, p. 31,32,33 e 34).

Mas do entusiasmo inicial com que foi recebida a obra A Essência do Cristianismo, onde todo materialista se considerava feuerbachiano, até a crítica ao pensamento de Feuerbach, não se passou muito tempo. É bem verdade que a crítica de Marx e Engels ao pensamento de Feuerbach nunca foi levada a cabo com a mesma crueldade empregada contra Stirner, por exemplo, mas mesmo assim atinge suas fraquezas fundamentais. Em seu acerto de contas com a filosofia alemã de seu tempo, no livro A Ideologia Alemã, de 1845/46, Marx e Engels tratam Feuerbach como o mais respeitável dentre os jovens hegelianos, como o único que teria feito um progresso no sentido da superação do idealismo hegeliano, na medida em que defendeu a sensibilidade e a materialidade contra pretensões absolutistas do espírito idealista. Consideram que sua tentativa de mostrar todas as representações do sagrado como provenientes do homem teria, no entanto, parado a meio caminho, não chegando a localizar o homem realmente existente “desta forma, ele nunca chega aos homens realmente existentes e atuantes, mas se detém junto ao abstrato “o homem.”[2] Consideram que Feuerbach está mais preocupado com a essência do homem e seu conhecimento do que com os homens que efetivamente existem, agem e constituem seu mundo. Por isso, pode identificar esta essência com a essência divina, na medida em que esta é apenas a mesma essência humana que não se conhece a si mesma de forma consciente, ou como dirá Marx em sua crítica: “Feuerbach dissolve a essência religiosa na essência humana. Mas a essência humana não é uma abstração que residisse no interior do indivíduo singular. Em sua efetividade, ela é o conjunto das relações sociais.”[3]

Para Marx, a superação da alienação da consciência religiosa não deveria parar na mera consciência de uma superação da alienação do homem em suas relações reais. Deste homem real, que em sua opinião Feuerbach acaba reconhecendo apenas a sensibilidade e o sentimento, reduzindo as relações essenciais do homem com o homem às relações idealizadas do amor e da amizade. O homem da intuição sensível pensa-se sempre já diante de um mundo dado e acabado, em que ele mesmo aparece não como o homem real da história, mas como a essência humana: “A concepção de Feuerbach do mundo sensível limita-se, por um lado, à mera intuição do mundo e, por outro, ao mero sentimento; ele diz “o homem” em vez de “os homens reais e históricos”.”[4] É o grande mérito de Feuerbach não se contentar com objetos do pensamento, mas buscar objetos sensíveis, abrir a filosofia para a materialidade do mundo; mas sua limitação aos objetos da intuição sensível acaba por prendê-lo aos limites de um mundo que pode ser dado à intuição. Em suas Teses sobre Feuerbach, redigidas em 1845, Marx aponta para a deficiência fundamental do materialismo feuerbachiano: “A deficiência principal de todo materialismo existente até agora (inclusive o feuerbachiano) reside em ter tomado o objeto, a realidade, a sensibilidade tão-somente sob a forma de objeto ou da intuição, mas não como atividade sensível humana, praxis”[5] Não se quebra o círculo vicioso da filosofia contemplativa simplesmente apelando para os sentidos contra a abstração do pensamento, pois a intuição sensível pode muito bem se enquadrar numa nova postura contemplativa, como mostra a moderna ciência. Mesmo tendo encontrado no homem a instância definitiva de toda reflexão filosófica, Feuerbach não rompeu com os limites da contemplação: “Por isso, ele considera na Essência do Cristianismo, só o comportamento teorético como o autenticamente humano, enquanto a praxis é tomada e fixada apenas em sua forma suja e judia de se manifestar. Por isso ele não compreende o significado da atividade “revolucionária”, “prático-crítica.””[6]

Para superar a religião, e “aquele mundo de que é aroma espiritual”, é preciso combinar as “armas da crítica” com a “crítica das armas”. Nesta perspectiva, a missão da Filosofia, que está a serviço da história, tem como objetivo desmascarar a auto-alienação humana em sua forma santificada (a religião) e em suas formas não santificadas (as estruturas de produção, políticas etc). Por isso, a superação da religião não é apenas uma atividade da consciência, como para Feuerbach e Bauer, mas implica na superação da sociedade que a produz. O homem precisa libertar-se teórica e praticamente de suas alienações, a partir das religiosas; pois: “A crítica da religião desengana o homem para que este pense, aja e organize sua relidade como um homem desenganado que recobrou a razão a fim de girar em torno de si mesmo e, portanto, de seu verdadeiro sol.”[7]

Podemos sintetizar que as principais criticas identificadas aos limites do pensamento de Feuerbach são: a manutenção de uma filosofia simplemente contemplativa; o apelo para os sentidos contra a abstração do pensamento; a consideração do comportamento apenas teorético com o objetivo de transformar a consciência do homem, deixando muito a desejar no que se refere a uma atuação mais revolucionária e prático-crítica.

A razão para tais críticas teve fundamento. De fato, Feuerbach recusa-se a participar de qualquer ação política, acreditando que a constituição de uma teoria continuava sendo o essencial. Na verdade, em sua convicção de que o principal para a emancipação dos homens era libertá-los da empresa da religião, Feuerbach via no movimento democrático, socialisa e comunista um meio de realizar esta emancipação, mas considerava que sua participação poderia ser mais eficaz no aprofundamento da crítica à religião. Ele acreditava que as idéias exerceriam pela educação e pela instrução uma influência determinante sobre o desenvolvimento humano. Feuerbach permanecia materialista na sua concepção do mundo, mas era idealista na concepção do desenvolvimento da história. Sua concepção idealista era explicada por sua posição anti-revolucionária, o que o aproximou de uma doutrina social humanista, humanismo este que só pretendia realizar pela via da crítica religiosa. A justificativa do socialismo verdadeiro para a miséria humana era a consciência e não o desenvolvimento do capitalismo como um todo.

Desta concepçao utópica do papel e dos efeitos da concorrência, própria do capitalismo derivou uma solução também utópica que solicitava a abolição da concorrência que supriria o egoísmo e devolveria à humanidade qualidade de vida novamente. É neste sentido que para Feuerbach, a transformação social se operaria por uma associação estreita entre os homens que tornaria possível uma organização racional e humana do trabalho.

A filosofia política de Feuerbach estipula, nas linhas de Hegel, que a ordem social deve ser a objetivação do espírito. Só que, em Feuerbach, não se trata de um Espírito Absoluto, mas do espírito humano, Essência humana e a ordem social objetivada estão em conflito. Por isto esta última deve ser abolida, a fim de se transformar numa expressão do espírito. Onde encontraremos o projeto desta nova ordem a ser construída? Nas aspirações do homem oprimido. E a religião nada mais é que a forma simbólica que tomam estas aspiraçoes. Isto nos levaria a levantar a questão de, se a prioridade do objetivo, em relação ao subjetivo (Marx) ou a prioridade do subjetivo em relação ao objetivo (Feuerbach), não é uma falsa opção. Não seria possível encarar a religião, como realidade espiritual, como expressão de um projeto utópico de superação das condições objetivas, sendo que estas, por sua vez, nos dariam os dados do problema a ser resolvido e, ao mesmo tempo, o instrumental para sua solução? Qualquer solução política que seja nada mais que o desenvolvimento das tendências imanentes numa configuração social objetivamente dada, e que ignore as aspirações e desejos surgidos em resposta a esta mesma situação, continuará a ser insatisfatória. Permanecerá o conflito ente o “princípio do prazer e o princípio da realidade.[8]

[1] ENGELS, Friedrich, Ludwig Feuerbach e o fim da Filosofia Clássica Alemã, p.182
[2] MARX, Karl e ENGELS, Friedrich, A Ideologia Alemã, p. 44
[3] MARX, Karl, Teses sobre Feuerbach, p. 6
[4] MARX, Karl e ENGELS, Friedrich, A Ideologia Alemã, p. 42
[5] MARX, Karl, Teses sobre Feuerbach, p. 5
[6] Idem
[7] STACCONE, Giuseppe, Filosofia da Religião – O pensamento do homem ocidental e o problema de Deus, p. 119
[8] ALVES, Rubem, O Suspiro dos Oprimidos, p. 50

CAPÍTULO 2 - RESENHA DA OBRA "A ESSÊNCIA DO CRISTIANISMO" DE FEUERBACH



Na Essência do Cristianismo, Feuerbach procura demonstrar que a essência da religião é a essência do ânimo humano e que a teologia pode ser dissolvida e superada pela antropologia. O autor expõe que as representações e segredos atribuídos a um Ser sobre-humano não eram mais do que representações humanas naturais, e que aquilo que no imaginário pairava no Céu, pode ser encontrado sem maiores dificuldades no solo da Terra. Dessa forma, o homem transportaria para o Céu o ideal de justiça, bondade e virtude que não conseguiu realizar na Terra. Colocaria num grau universal e absoluto atributos e qualidades de si mesmo. Todos os Deuses não seriam então, mais do que criações humanas. Feuerbach critica a idéia absoluta que seria baseada na revelação e encarnação cristãs, ultrapassando assim o racional e se tornando teologia. A teologia, religião institucionalizada é fonte de dogmas e abstrações metafísicas que perdem a ligação com o real e palpável. Cada religião pretende ser detentora da verdade, e isso é motivo de fanatismo e intolerância com outras formas de pensamento. A verdade acessível apenas a alguns (revelada pela fé), sem critérios objetivos, torna fácil a manipulação de pequenos grupos sobre os demais, por se tratar de algo que não pode ser demonstrado com base em elementos sensíveis. A obra de Feuerbach está dividida em duas partes, a primeira, afirmativa e a segunda constitui uma negativa.

2.1. 1ª PARTE - A ESSÊNCIA VERDADEIRA, ISTO É, ANTROPOLÓGICA DA RELIGIÃO

A primeira parte da obra é afirmativa, procura demonstrar que a religião se funde com a teologia por dispor do conjunto das relações com o ser transcendental e diferente do homem e que a filosofia, na medida em que valoriza o pensamento e a inteligência humana, se encaminha para uma antropologia, reconhecendo à partir daí uma unidade entre infinito e finito que se realiza no homem e não mais em Deus.

A Essência do Homem em Geral

Na introdução, 1° capítulo, intitulado “A essência do homem em geral”, Feuerbach inicia dizendo que a diferença entre o homem e o animal é a consciência, mas a consciência no sentido do gênero, da essencialidade humana. Isso significa que só o homem tem consciência de si mesmo e é objeto para si mesmo em nível de espécie. Ao tomar consciência de si o homem toma consciência de sua humanidade em geral, pois além de se perceber como indivíduo, reconhece a sua participação na espécie humana. Quando fala de si o homem se comunica com a sua essência, que não é finita, mas ilimitada, ao mesmo tempo Eu e Tu. Na essência da qual o homem é consciente e realiza a sua humanidade, estão a razão, a vontade e o coração, atributos da sua perfeição e os elementos que fundamentam a sua existência, pois o homem existe para conhecer, para amar e para querer, sendo assim esta trindade divina para Feuerbach seria a sua principal finalidade. O homem toma consciência de si mesmo através dos objetos, são os objetos que revelam a essência do homem. O poder do objeto (Deus) sobre o homem é o poder da sua própria essência. O sentimento é a essência subjetiva e, ao mesmo tempo objetiva da religião – “Deus só pode ser conhecido por Deus” - somente o sentimento pode elevar o homem a Deus. O sentimento é de natureza divina por isso somente através dele é possível perceber a divindade.

A Essência da Religião em Geral

Ainda na Introdução, 2° capitulo, intitulado “A essência da religião em geral”, é propósito de Feuerbach demonstrar que é ilusória a contradição do divino e humano, haja vista que a consciência e o conhecimento que o homem tem de Deus é a consciência e o conhecimento que também o homem tem de si mesmo. Deus, o objeto do homem, nada mais é que a sua própria essência objetivada. Sendo assim, Deus e o homem seriam a mesma coisa. Mas, Feuerbach ressalta que a religião é a primeira consciência, a consciência indireta que o homem tem de si mesmo, porque o homem transporta primeiramente a sua essência para fora de si, em busca de Deus, para só depois encontra-lo dentro de si. A religião considera que a razão e o bem estão em Deus e não no homem. Se a contradição entre o divino e o humano é ilusória, a religião seria então o relacionamento do homem consigo mesmo, com a sua própria essência. Todas as qualidades da essência divina são também qualidades da essência humana. “Tudo que tem para o homem o significado de ser em si, tudo que é para ele o ente supremo, tudo aquilo acima do que ele não pode conceber nada mais elevado, tudo isso é para ele exatamente a essência divina”. Deus é a objetivação da essência humana, justificada pela efetividade dos predicados divinos serem humanos. Sujeito e predicado distinguem-se apenas como EXISTÊNCIA (o homem) e ESSÊNCIA (Deus dentro do homem). Negar a divindade que existe na essência do homem é negar a existência humana. Quanto mais se dá forma humana a Deus quanto a essência, maior se torna a diferença entre Deus e o homem e a negação da unidade entre a essência humana e a essência divina. Quando se enaltece Deus, o homem é diminuído, para que Deus seja tudo e o homem nada. O aprimoramento moral é a meta divina do homem e a salvação do homem é a meta humana de Deus.

Deus Como Entidade da Razão

No 3° capítulo, intitulado “Deus como entidade da razão”, Feuerbach procura esclarecer que o verdadeiro significado da teologia é a antropologia aprofundando a questão da alienação e procurando demonstrar que a cisão que ocorre entre Deus e o homem é na verdade a cisão do homem com a sua própria essência. Esta compreensão surge através do estabelecimento das distinções entre razão e sentimento. Somente através da razão é que o homem torna-se capaz de julgar e agir em contradição com os seus mais caros sentimentos humanos. Deus é a revelação da razão, é a causa racional de todas as coisas, por isso é que a razão é que é o ser originário, primitivo. Sendo assim, para Feuerbach o que contradiz a razão, contradiz a Deus. Deus é a mais elevada faculdade de pensar, é o que a razão pensa como mais elevado. Nossas qualidades positivas, essenciais, nossas realidades são então as realidades de Deus, mas em nós são elas limitadas, em Deus ilimitadas. Mas quem retira das realidades as limitações? A razão. O que é então o ser pensado sem qualquer limitação senão a essência da razão que abandona qualquer limitação? Como tu pensas a Deus pensas a ti mesmo – A medida do teu Deus é a medida da tua razão. Se pensas Deus limitado, então é a tua razão limitada; se pensas Deus ilimitado, então a tua razão não é também limitada. Somente quem pensa é livre e autônomo. O pensar, a razão, é o que garante a autonomia do homem. Sem razão um indivíduo é objeto para outro, pois perde a sua autonomia, o seu ser para si. A razão é que é a unidade da inteligência e é a unidade de Deus. O que é racional para a razão é. É para ela uma lei absoluta, é algo de validade universal. A razão tem a sua essência em si mesma, nada tem além de si ou fora de si que pudesse ser comparado com ela. Da mesma forma Deus é as qualidades que tem. Nele não se distingue existência e essência. Deus tem as mesmas características que são abstraídas da essência da razão. Então, para Feuerbach, a razão é o ser inefável e necessário porque somente ela pode estabelecer a diferença entre o ser e o não ser. Se não existisse a razão, somente a não razão existiria. A razão é então a necessidade mais profunda e essencial, pois somente na razão se revela a finalidade, e o sentido do ser de todas as coisas.

Deus Como Ser Moral ou Lei

No 4° Capítulo, intitulado “Deus como ser moral ou lei”, Feuerbach pretende esclarecer como Deus só é importante se o homem objetivar Deus para o homem. Assim o interesse da religião é demonstrar quando Deus é diferente do homem, (a medida em que expõe Deus como redentor), mas ao mesmo tempo é também do seu interesse que Deus seja igual ao homem, (ao refletir a essência do gênero humano). O que o homem quer na religião é se satisfazer, porque a essência do homem é a mesma essência de Deus, constituída de razão, vontade e sentimento. Por outro lado, a qualidade racional de Deus que se salienta sobre todas as outras é a perfeição moral. Deus é um ser moralmente perfeito e como ser moral é o ser infinito. Deus é a lei personificada da moralidade no homem. O Deus moral exige do homem que ele seja como Ele próprio é: “Santo”, caso contrário o homem não poderia jamais temer a essência divina. Mas, é o sentimento de amor que se interpõe como laço de união entre a perfeição de Deus e a imperfeição do homem, entre o ser sem pecado e o pecador. O amor é o próprio Deus e sem ele não há Deus. Deus é a própria lei moral, mas pensada personificadamente, pois Deus exige que o homem seja como Deus: um filho perfeito. No entanto Deus está diferenciado na razão, na moral e no coração. Deus na razão julga; Deus na moral exige a vontade de um comportamento reto e bom; Deus no coração perdoa e ama com um sentimento universal.

O Mistério da Encarnação ou Deus como Entidade do Coração

No 5° capítulo, intitulado “O mistério da encarnação ou Deus como entidade do coração”, Feuerbach explicita que o amor objetivado do humano é o mistério da encarnação, porque “O Deus encarnado é o fenômeno do homem endeusado” (pág. 93). Mas, a elevação do homem a Deus tem como conseqüência o rebaixamento de Deus ao homem. Deus é apresentado por Feuerbach como ser do coração em duas perspectivas: Deus como sujeito do amor objetivado ao homem, cujo exemplo é a encarnação, e o Deus amor como predicado, onde Deus é superior pelo amor infinito, por isso é superior ao fenômeno da encarnação, cuja exemplificação é a oração. A consciência do amor é aquela através da qual o homem se concilia com Deus, ou melhor, consigo, com a sua essência, que ele, na lei, contempla como uma outra essência. A consciência do amor divino ou a contemplação de Deus como um ser humano é o mistério da encarnação, do Deus que se torna carne e homem. A encarnação é apenas o fenômeno real, sensorial da natureza humana de Deus. Não foi por sua própria causa que Deus se tornou homem, mas pela necessidade do homem. A religião estabelece como verdade uma profunda incompreensibilidade: Deus é, ou se torna homem. Essa contradição ocorre porque, confunde os atributos da razão com os do coração. Mas trata-se aqui apenas de um Deus que já em essência é um ser misericordioso, um atributo humano do coração elevado a um atributo da razão. Na doutrina da igreja é dito que não é a primeira pessoa (Deus) que encarna, mas é a segunda pessoa (Cristo). Por isso a afirmação de que a encarnação é um fato puramente empírico ou histórico sobre o qual só se instruí através de uma revelação teológica, é um depoimento do mais estúpido materialismo religioso, porque a encarnação é uma conclusão que se baseia numa premissa muito compreensível. Mas igualmente absurdo é querer deduzir a encarnação de motivos puramente especulativos, metafísicos e abstratos, porque a metafísica pertence somente à primeira pessoa, que não é uma pessoa dramática. Nesse exemplo se evidencia como a antropologia diverge da filosofia especulativa. A antropologia não considera a encarnação como um mistério especial, como faz a especulação ofuscada pelo brilho místico. A antropologia destrói a ilusão que se esconde - o sobrenatural; ela critica o dogma e reduz seus elementos naturais, inatos ao homem, em sua origem e cerne íntimo – o amor.

O Mistério do Deus Sofredor

No 6° capítulo, intitulado “O mistério do deus sofredor”, Feuerbach questiona: Deus e Amor – O que nos mostra o dogma? Qual o seu significado? Deus é um ser diverso do Amor? Feuerbach adverte que Deus aparece como predicado e como plenipotência. Tudo inicia quando Deus envia seu filho unigênito por amor, Deus passa a aparecer como predicado e não mais como sujeito. Concomitantemente, Deus aparece sob um novo poder obscuro, de que tudo pode. Por outro lado o amor só é essencial porque é o sujeito, e é essa a condição da encarnação, em outras palavras é o Amor que leva Deus à exteriorização da sua divindade. Observemos que Deus não se nega na encarnação, mas apenas se mostra como é, como ser humano. Não pela sua divindade enquanto tal (Deus é amor), mas pelo amor, pelo predicado que veio a divindade e mostra que o amor é um poder mais elevado do que o da divindade. Então o amor vence Deus. A indagação imediatamente posta é: Quem é nosso redentor Deus ou o Amor? – O Amor, porque Deus enquanto Deus não nos redime, mas o amor, que está acima da distinção entre personalidade divina e humana. Daí porque Feuerbach anuncia: Assim como Deus renunciou a si mesmo por amor, devemos também renunciar a Deus pelo amor, porque se não renunciarmos a Deus por amor, renunciaremos ao amor em nome de Deus e teremos, ao invés do predicado do amor, o Deus, a entidade cruel do fanatismo religioso (de que tudo pode). Ou então transpomos Deus para o amor, pois o que amor em Deus é o amor pelo homem. O que no íntimo é um amor a si mesmo. Para a religião cristã a oração revela o mistério da encarnação, que toda oração é de fato encarnação de Deus. Mas, Feuerbach adverte que a encarnação não é algo divino, e sim humano. Portanto, ao rezar o homem atrai Deus para as suas desgraças, tona-o partícipe dos seus sofrimentos e necessidades. Então, Deus escuta e é misericordioso, porque ama o homem. Porém, nessa atitude o homem entrega sua finitude e todas as suas possibilidades. Pois amor como sujeito refere-se ao sentimento humano objetivo e o amor como predicado refere-se ao além, ao absoluto, a plenitude do amor universal.

O Mistério da Trindade e da Mãe de Deus

No 7° capítulo intitulado “O mistério da trindade e da mãe de Deus”, Feuerbach explica que só satisfaz ao homem um Deus pleno. Essa totalidade de Deus é constituída de sensibilidade, razão e vontade. Essa trindade contém um mistério: o sofrimento. Cristo é o Deus humano e como tal, uma das suas qualidades essenciais é a Paixão. Em Cristo o amor se mantém pelo sofrimento. Deus enquanto Deus é o cerne de toda a perfeição humana, Deus enquanto Cristo é o cerne de toda a miséria humana. O sofrimento é o sumo mandamento do cristianismo – a história do cristianismo é a própria história da humanidade. Deus é sofredor porque é humanamente perfeito em Cristo. Mas, Deus também é amor. Todavia, o amor se mantém pelo sofrimento, aí está a base da redenção. O sofrimento redime, por isso, o Cristianismo é a religião do sofrimento. O mistério de Deus que sofre é então o mistério do sofrimento: um Deus que sofre é um Deus sensível e esse sofrimento de Deus é pelo homem, é por um outro ser que não ele mesmo, daí ser um sentimento nobre, de amor. Deus é um ser sensível. O sentimento é de natureza divina. Eu sinto e o sentimento é algo pertencente a minha essência. Se o sentimento é para ti uma qualidade excelente, é ele para ti exatamente por isso uma qualidade divina - Deus é o espelho do homem. Para o cristão parar de sofrer é querer ser mais, ou melhor, do que Deus, já que o próprio Deus sofreu por ele. Sofrer então, é compartilhar do sofrimento de Deus. Somente a ação objetiva é a unidade da atividade teórica e prática, somente ela oferece ao homem um fundamento ético, caráter. Por isso mesmo, todo homem deve ter um deus, estabelecer uma meta, um propósito. Quem possui um propósito possui uma lei sobre si, pois é alguém que não só se conduz como também é conduzido. Quem tem um propósito, uma meta verdadeira e essencial, tem uma religião. Não no sentido teológico, mas no sentido da razão, do sentimento da verdade. Só satisfaz ao homem um Ser Total. Deus é um ser de razão (consciência de si), sentimento (amor) e vontade (paixão). A pretensão que o homem tem de si mesmo em sua totalidade é trina. A consciência em si mesma tem para o homem um significado pleno, por isso Deus tem consciência Absoluta. A objetivação da consciência de si é a primeira qualidade que encontramos na trindade (consciência de si é a pura interioridade, é entendimento objetivado, é luz). O amor é a auto-afirmação do coração. Deus cria e ama os homens somente no Filho e por causa do filho. O filho ou Cristo é gerado e ama no sentido figurado, pois foi enviado. O Espírito Santo ama acolhendo e complementando a trilogia do amor. A paixão representa o amor da Mãe ou Maria ao Filho. O mistério da trindade é: Pai – Deus - 1ª pessoa, razão, amor, luz, designa a morte; Filho – Cristo – amor, amado, princípio de paridade da vida comunicativa, é o que morre; Mãe – Espírito Santo – Maria - paixão, representa o anseio da criatura por Deus, a essência materna, inconsolável com a morte do filho. O amor é a auto-afirmação do coração. Deus cria e ama os homens somente no filho e por causa do filho. O filho ou Cristo é gerado e ama no figurado, pois foi enviado. O Espírito Santo ama acolhendo e complementando a trilogia do amor. O Deus trino é o deus do catolicismo e só tem um significado interno. O Deus trino é um deus rico de conteúdo. Quanto mais vazia for a vida, tanto mais rico e mais concreto será o deus. Somente um homem pobre possui um Deus rico. Deus nasce do sentimento de uma privação, daquilo que o homem se sente privado, é para ele Deus. O desesperado sentimento de vazio e de solidão necessita de um Deus no qual exista sociedade, união entre os seres que se amam intimamente. Daí a razão pela qual a trindade ao longo dos tempos veio perdendo a sua importância prática e finalmente também a teórica. O protestantismo não valoriza a trindade e uma parte da igreja Católica alija a figura de Maria.

O Mistério do Logos e da Imagem Divina

No 8° capítulo, intitulado “O mistério do logos e da imagem divina”, Feuerbach enfatiza que a importância essencial da trindade para a religião concentra-se sempre na essência da segunda pessoa Filho, Cristo. O Deus verdadeiro e real de uma religião é sempre chamado de mediador e efetivou o mistério da encarnação, porque somente este é o objeto imediato da religião. Deus Pai existe por trás do Deus Filho, porque o Deus é razão fria, é objeto, ao passo que Cristo é a essência objetiva da fantasia e predominantemente imagem. O homem enquanto um ser emotivo e sensorial só é dominado e satisfeito pela imagem. O homem fabrica uma imagem de Deus, transformando a entidade abstrata da razão, a entidade do pensamento, num objeto dos sentidos ou numa entidade da fantasia. Mas ele coloca esta imagem no próprio Deus, porque naturalmente sua necessidade não seria correspondida se não conhecesse esta imagem como uma verdade objetiva, se fosse para ele apenas uma imagem subjetiva, diversa de Deus, feita pelo homem. * Razão = Logus: é objeto do pensamento, é pensamento imaginado, o poder da palavra é o poder da imaginação, tem poder redentor, conciliatório e libertador, Deus é a essência objetiva. * Imagem # Primeira característica: é sensorial, gera a crença, Cristo é a imagem que substitui Deus, assim Cristo se torna o resplendor da fantasia, a imagem querida do coração. # Segunda característica: a trindade centra mais em cristo, confirma-se que a religião através da palavra toma a aparência pela essência e acaba por seduzir. O que gera a diferença da palavra humana (é transmitida) e da palavra cristã (obra, milagre). A religião reduz o significado da palavra e a torna transcendente.

O Mistério do Princípio Criador do Universo em Deus

No 9° capítulo, intitulado “O mistério do princípio criador do universo em Deus”, Feuerbach esclarece que Deus é gerador porque objetiva a unidade de consciência percebendo o que é idêntico e o que não é e porque objetiva a consciência de si – percebe-se como gerador da espécie (é o próprio homem) e é espiritual (a trindade). O engano dos filósofos e teólogos é colocar Deus Pai como criador, pois acabam por fazer da razão divina o fundamento da matéria real. O que gera a diferença entre criador e criatura, mas essa distinção é apenas formal e não essencial.

O Mistério do Misticismo ou da Natureza em Deus

No 10° capítulo, intitulado “O mistério do misticismo ou da natureza em Deus”, Feuerbach explica que as formas distintas da existência: Deus, Homem e Natureza são criações do pensamento humano. Os filósofos e teólogos cristãos defendiam Deus Pai como Criador. Com esse posicionamento eles fizeram da Razão Divina o fundamento da matéria real. A conseqüência dessa noção de deus Criador do Universo foi a separação entre criador e criatura. Portanto, para feuerbach essas diferenças entre deus Homem e Natureza são apenas formais, porque são criações do pensamento e não aceitas como real, não porque são corretas, mas porque são produtos do pensamento e tidos como verdadeiro: Deus é razão, Inteligência; Natureza é irracional, desejo, sexo, conflito; Homem é Consciência (porque contém a Inteligência divina) e é sexualidade (porque contém a natureza natural). Explicando o posicionamento de Jacobi Böhme, Feuerbach diz: a doutrina da natureza em deus pretende fundar o Deísmo - religião natural fundada na manifestação natural que a divindade faz de si à razão do homem e considera o ente supremo como um ser pessoal. As teses fundamentais são: 1- a religião não contém nem pode conter nada de irracional; 2- a verdade da religião revela-se, portanto, à própria razão e a revelação histórica é supérflua; 3- as crenças da religião natural são, portanto, poucas e simples - a existência de Deus, a criação e governo divino do mundo, e a remuneração do mal e do bem em vida futura – através do naturalismo. Feuerbach elabora seu posicionamento crítico aos filósofos, aos místicos e aos teólogos. O deísmo pessoal imagina Deus abstraído de tudo que é material (homem e natureza) e para Feuerbach é a natureza em Deus e no homem uma entidade de fato inseparável, porém diversa. No materialismo de feuerbach ele observa que a relação entre deus, homem e natureza não se processam naturalmente, porque é uma relação de utilidade, portanto artificial, de dependência (pela Vida) e transforma os objetos naturais com significados em puras abstrações (ou seja, o significado de Deus é transubstancializado – no Egito, o gato; na Índia, o boi). Ocasionando a idéia de que o que os sentidos fazem é interpretar os significados a partir de uma disposição do sujeito. Feuerbach considera mística a perspectiva dos filósofos e teólogos porque a doutrina da natureza em Deus pretende fundar o deísmo através do naturalismo. Mas o deísmo pessoal imagina Deus abstraído de tudo que é material e para Feuerbach a natureza em Deus, uma entidade de fato inseparável dele, porém diversa.

O Mistério da Providência e da Criação a Partir do Nada

No 11° capítulo, intitulado “O mistério da providência e da criação a partir do nada”, Feuerbach esclarece que a criação e a providência só se revelam no milagre da encarnação, porque a essência é a vontade, a imaginação ilimitada e o nada (pois esses três aspectos significam o poder da arbitrariedade e da plenipotência tão almejadas pelo homem para se tornar absoluto). A criação é a palavra de deus pronunciada, a palavra interior, idêntica ao pensamento. Pronunciar é um ato de vontade, a criação é então um produto da vontade. Assim como o homem afirma no verbo divino a divindade do verbo, afirma ele na criação a divindade da vontade, na verdade não da vontade da razão, mas da vontade da imaginação, da vontade absolutamente subjetiva, ilimitada. O mais elevado clímax do princípio da subjetividade é a criação a partir do nada. Assim, como a eternidade do mundo apenas significa a essencialidade da matéria e a nulidade do mundo. O princípio do mundo é também o princípio do seu fim. A existência ou a não existência depende somente da vontade. A existência do mundo é uma existência momentânea, arbitrária, insegura, isto é, exatamente uma existência nula. A criação a partir do nada é a mais alta expressão da plenipotência. Mas a plenipotência é apenas a subjetividade liberta de todas as limitações objetivas e que festeja a sua liberdade como o mais alto poder e essência: o poder da arbitrariedade. Daí o aparecimento do Milagre como uma criação original e sobrenatural. A providência é a suprema sabedoria com que Deus conduz as atitudes e atos. Portanto, porque a origem dos três reside na vontade do sentimento de exteriorização da natureza subjetiva. É o homem a meta e a base da criação, do milagre e da providência. O homem é a meta porque é o princípio, a realidade e a existência da imortalidade (só o homem verbaliza a eternidade) e o homem, também é a base porque é a essência abstrata que distingue como um outro ser pessoal e busca a conservação de si e do mundo. Para Feuerbach, o criador do mundo é o próprio homem que dá a si mesmo, através da prova ou da consciência de que o mundo foi criado (uma prova da vontade, uma existência impessoal, nula), a certeza da própria importância, verdade e infinitude. Deus é o conceito ou a idéia da personalidade enquanto pessoa; é a subjetividade; é ser-para-si-mesmo, auto-suficiente, posto como essência e existência absoluta. Feuerbach estrutura suas críticas ao panteísmo e ao personalismo por encobrir a verdadeira essência da criação: a antropologia.

O Significado da Criação no Judaísmo

No 12° capítulo, intitulado “O significado da criação no judaísmo”, Feuerbach explica que a criação no compreendido como mero ato imperativo, pois o princípio da criação no judaísmo é o egoísmo e não tanto a subjetividade. A criação a partir do nada, isto é, a criação como mero ato imperativo, só tem sentido na origem do princípio prático e na indomável violência do egoísmo hebreu. O egoísmo é o deus que não decepciona seus servos. O egoísmo é essencialmente monoteístico, porque ele só tem uma coisa como meta: a si mesmo. O egoísmo recolhe, concentra o homem sobre si mesmo: ele lhe fornece um princípio da vida sólido, denso, mas limita-o teoricamente, porque é indiferente a tudo que não se relacione imediatamente com seu próprio bem-estar. Por isso, a ciência ou a arte só surge do politeísmo. O monoteísmo rouba aos israelitas o impulso e o sentido livre presente nos gregos. Há uma mudança significativa de concepção de mundo e não apenas de conceituação entre gregos e judeus. Os gregos contemplavam teoricamente (como estética e como filosofia primeira) a natureza e compreendia que esta havia sido gerada e não criada, pois o conceito de mundo vale tanto quanto o conceito de cosmos, de majestade ou de divindade. Os judeus e os israelitas só se colocam do ponto de vista prático, a natureza por si e em si mesma nada é, significa a visão: a natureza ou o mundo foi criado, fabricado, é um produto de um imperativo da vontade. O utilitarismo, a noção de utilidade, é característica fundamental do judaísmo. A crença numa providência divina especial, no milagre ou na utilidade é a crença numa providência divina especial, no milagre ou na utilidade é a crença característica do judaísmo; mas observa Feuerbach que a crença em milagres existe quando a natureza é encarada somente como um objeto da arbitrariedade, do egoísmo que utiliza a natureza para fins arbitrários. Feuerbach estabelece um paralelo entre gregos e judeus: Gregos – desenvolvem a contemplação e a reflexão; foram idolatras, mas não diferenciam a contemplação da adoração; os deuses são imanentes e respeitados. Judeus – desenvolvem o sentimento drástico; elevam idolatria à compreensão; Deus é transcendente e temido.

A Onipotência da Afetividade ou o Mistério da Oração

No 13° capítulo, intitulado “A onipotência da afetividade ou o mistério da oração”, Feuerbach procura demonstrar que a essência da religião é a oração, porque na oração o homem objetiva seu coração. O papel da oração é primeiramente, efetivar os desejos e satisfazer as vontades, em segundo lugar transformar o curso natural dos acontecimentos, em terceiro reencontrar o coração com a essência e por último, gerar felicidade. Para isto, existem duas condições básicas para efetivar a oração: A Força – sentimento de dependência num ser absoluto e o Amor – um estado de confiança incondicional. Na oração o homem expressa abertamente aquilo que o oprime e adora a si próprio, à medida em que contempla a essência de sua afetividade como o ser mais elevado.

O Mistério da Fé - O Mistério do Milagre

No 14° capítulo, intitulado “O mistério da fé – o mistério do milagre”, Feuerbach explicita que a essência da religião é a oração, porque na oração o homem objetiva seu coração. O papel da oração é: efetivar os desejos e satisfazer as necessidades; transformar o curso natural dos acontecimentos; reencontrar o coração com a essência; gerar felicidade. As condições para efetivar a oração: sentimento de dependência em um ser absoluto – Força e confiança incondicional – Amor. Na oração o homem expressa abertamente aquilo que o oprime e adora a si próprio, à medida que contempla essência de sua afetividade como ser mais elevado. O objeto característico da fé é a fé no poder da oração, a qual é idêntica a fé no poder do milagre e a fé num milagre é idêntica a essência da fé em geral. Só a fé ora. Só a oração da fé tem poder. A fé verdadeira não tem dúvida a dúvida só surge quando ultrapassa os limites da subjetividade, isto é, quando concedo verdade ao que está fora do sujeito de maneira limitada e só procuro ampliar os meus limites através dos outros fora da minha subjetividade, portanto, a fé é a crença na divindade do homem. A fé é um estado do coração no qual atribuímos tudo de bom a Deus. Uma tal fé em que o coração deposita toda a sua confiança e Deus, para que a fé exista apenas em Deus, faz necessário um subjetividade ilimitada. É em busca dessa ilusão que o homem inventa a Deus. A fé do homem em Deus coincide com os desejos humanos, daí a trindade fé, amor e esperança. Que és desejo sobrenatural realizado de modo imediato. Por isso o poder do milagre é o poder da imaginação é uma atividade finalística e sem limitação. A afetividade é a característica essencial do milagre, pois sem dúvida o milagre provoca também uma impressão sublime e arrebatadora enquanto expressa o poder da fantasia. Da afetividade sai o milagre e para a afetividade ele volta. O milagre é afetivo porque exatamente satisfaz o desejo do homem sem esforço. Feuerbach constata que com o cristianismo o homem perdeu o sentimento e capacidade de pensar-se dentro da natureza de modo espontâneo, pois o homem passou a crer na revelação. Para os filósofos, a explicação do milagre pela afetividade e pela fantasia é superficial, porque o milagre expressa o poder mágico que realiza sem obstáculos todos os desejos do coração.

O Mistério da Ressurreição e do Nascimento Sobrenatural

No 15° capítulo, intitulado “O mistério da ressurreição e do nascimento sobrenatural”, Feuerbach evidencia o mistério da ressurreição e do nascimento sobrenatural refere-se a um sentimento subjetivo. O homem tem o desejo de si eternizar de não morrer, e esse desejo negativo torna-se positivo quando é idêntico a um instinto de conservação. Esse desejo da imortalidade a razão não pode realizar a questão imortalidade é vista: pelos pagãos para os quais a imortalidade não esta ligada diretamente ao pensamento e sim ao fundamento da vida e pelos cristãos para os quais a imortalidade foi transformada na ressurreição e no nascimento sobrenatural de Cristo. Gestado no mistério da fé, um mistério moral da vida. A moral católica é cristã, mística, porém a moral protestante é racionalista. A moral católica conservou a ressurreição ou imortalidade pessoal como um fato sensorial indubitável, bem como, conservou o mistério da virgindade imaculada, estabelecendo um sentimento especial e subjetivo. Assim o homem subjetivo transforma os seus sentimentos em um critério do que deve ser. Ao passo que a moral protestante é e foi uma união carnal do cristão com o homem vivenciando a contradição entre fé e vida e por isso se tornou a fonte ou a condição da liberdade.

O Mistério do Cristo Cristão ou do Deus Pessoal

No 16° capítulo, intitulado “O mistério do Cristo cristão ou do Deus pessoal” é que Feuerbach põe a limpo que a essência do cristianismo é a essência da afetividade ou do sentimento, pois a afetividade é o eu determinado por si mesmo, mas como se fosse determinado por outro ser – o eu passivo. Eu sou passivo do meu próprio ativo. À vontade e a ação, o desejo e a realidade, o rendido e o redentor, efetivam o Deus-feito-homem: é melhor ser libertado e redimido por um outro do que libertar-se a si esmo, pois se sabe amado por Deus e não apenas amado por si mesmo. O fato do homem, ser pensado por Deus é efetivo. Por isso que para Feuerbach a afetividade é o sonho de olhos aberto e a religião é o sonho da consciência desperta, assim o sonho é a chave para os olhos aberto e a religião é o sonho da consciência desperta, assim o sonho é a chave para os mistérios da religião. O homem ser Salvo por Deus, é o maior desejo, o supremo triunfo do coração. Cristo é a prova desse desejo, o supremo triunfo do coração. Cristo é a prova desse desejo realizado da religião, pois a meta da religião é que Deus, em si nada mais é que a essência do homem, também seja realizada como objeto. A encarnação de Deus com essa intensidade só tem para os cristãos, porque ele almeja um Deus subjetivo, afetivo e pessoal; que dê provas de um homem real, que fluir sangue de seu corpo na cruz. Assim expressa sentimento e sentimentalidade, ligando pelo coração, Deus e homem em Cristo.

A Diferença entre Cristianismo e Paganismo

No 17° capítulo, intitulado “A diferença entre cristianismo e paganismo”, Feuerbach visa diferenciar o fundamento e o campo de ação entre as duas doutrinas filosóficas: Cristianismo: o homem se encontra em si mesmo, separa-se da conexão com o universo, transforma-se num todo autosuficiente. Eram autoritários e ditatoriais; A religião é individualista, Deus é o conceito de gênero individualizam a razão, Há uma unidade entre gênero e espécie, Pensa a plenitude. Paganismo: o homem não se concentra em si, não se esconde da Natureza, celebravam a inteligência, eram liberais. Está em conexão com o coletivo, Deus é a essência do homem, a essência é universal, há o monismo, pensa a completude.

Significado Cristão do Celibato Livre e da Classe Monástica

O objetivo do 18° capítulo, intitulado “O significado cristão do celibato livre e da classe monástica”, é explicitado no primeiro parágrafo. O conceito de gênero e com ele o significado da vida-gênero havia desaparecido com o cristianismo. A conseqüência: Quando o homem anula a diferença entre gênero e indivíduo e estabelece essa unidade como Deus, quando então a idéia de humanidade só é objeto para ele como idéia de divindade, então desaparece a necessidade da cultura; o homem tem tudo em si, tudo em Deus, logo, nenhuma necessidade de se completar através do outro é real. Só Deus é a necessidade do cristão, junto a ele não há carência, necessidade nem primeira do outro, do gênero humano, do mundo. Deus é a subjetividade absoluta, uma subjetividade dissociada da matéria, abstraída da vida-gênero e por isso mesmo da diferença sexual. A meta da vida monástica (obediência) e de celibato (castidade) é a aceitação plena de que a vida celestial é a vida verdadeira e que a vida terrena serve para viabilizar a purificação e a salvação do ser humano. A vida monástica e ascética em geral é a vida celestial da maneira da Meira que ela pode se manter e se conservar através da obediência. A vida celestial legitima ao mesmo tempo uma lei da fé e uma lei moral: não é permitido se prender às coisas transitórias deste mundo. A morte é ingresso no céu. Mas, se a morte é a condição para a felicidade e a perfeição moral, então é necessariamente a única lei da moral. A morte é a antecipação necessária da morte natura. Portanto, a morte deve ser elevada a um ao moral, a um ato de auto-atividade. O amor que o cristão tem por Deus não é um amor geral (como um amor à justiça, a verdade, a ciência...) é o amor a um Deus subjetivo, pessoal. As características desse amor são exclusividade, a unicidade e a significação plena. O celibato é uma condição necessária para o verdadeiro cristão. Pois o cristão anula a diferença sexual como um apêndice incômodo, casual. Quando o cristão sente necessidade do amor sexual, é sempre uma necessidade contraditória ao seu designo celestial; não como uma necessidade moral íntima. Quanto ao casamento só é aceito no Antigo Testamento e num sentido moral e não religioso. Para Feuerbach a castidade e a obediência transcendental fazem com que o homem peca a liberdade humana e reduz a sexualidade a um fator biológico. Por outro lado, incentiva o ser humano a se entregar a uma mor em nome da salvação da alma alheio à sua vida real.

O Céu Cristão ou a Imortalidade Pessoal

No 19° capítulo, intitulado “O céu cristão ou a imortalidade pessoal”, Feuerbach quer demonstrar que o sentido original e verdadeiro da Religião é a crença no além. E o conteúdo do além é a crença na libertação das limitações da natureza por parte da subjetividade. O céu é o paraíso, o estado de purificação e a certeza na plenitude. O conceito de Imortalidade se funde no conceito de Deus, pois Deus é a vida imortal. E só Deus é o penhor da existência futura de ser humano, porque Ele já é a certeza da minha existência presente, da minha Salvação, é o meu consolo, é a minha proteção, então só através Dele é possível deduzir a imortalidade, não para demonstrá-la como verdade à parte, mas para eu crer e entregar-se a Ele. Pois Deus é a vida imortal. E só Deus é o penhor da existência presente, da minha Salvação, é o meu consolo, é a minha proteção então só através Dele é possível deduzir a imortalidade, não para demonstrá-la como verdade à parte, mas só Deus é a consciência daquilo que é em si mesmo. Para Feuerbach essas cisões de terra e céu, de fé e razão, de corpo e alma, (...), distancia o homem cada vez mais da sua natureza humana e a crença no além é apenas a crença na verdade da fantasia, assim como a crença em Deus é a crença na verdade e na infinitude da afetividade humana. Todavia, ao se preocupar em definir Deus, o que a religião de fato executa é uma redução à essência extra mundana de Deus às partes componentes da essência humana como suas partes componentes fundamentais. Assim, o tiro sai pela culatra e o homem e não o Deus é o princípio, meio e fim da religião.

2.2. 2ª PARTE - A ESSÊNCIA FALSA, ISTO É, TEOLÓGICA DA RELIGIÃO

A segunda parte d’A Essência do Cristianismo constitui uma negativa, onde Feuerbach destaca as contradições implícitas na existência de Deus e em pontos fundamentais do cristianismo, demonstrando a religião como a relação que o homem tem com a sua própria essência, o que significa que ao visar a Deus o homem busca a si mesmo.

O Estágio Essencial da Religião

No 20° Capítulo, intitulado “O estágio essencial da religião”, Feuerbach procura demonstrar que a meta da religião é a salvação do homem. Neste sentido Deus tem uma finalidade prática e toda a relação do homem com Deus é visando única e exclusivamente alcançar a sua salvação. A religião cristã é a doutrina da salvação. Mas no cristianismo a salvação somente se dá através da infelicidade pois a felicidade mundana afasta o homem de Deus. São os sofrimentos e as doenças que reconduzem o homem a Deus. O prazer e a alegria expandem o homem, já a infelicidade e a dor o oprimem. Como o medo de não ser salvo obriga o homem a crer, é justamente aí que surge a necessidade da busca de Deus, através da religião. Deus é essencialmente um objeto exclusivo da religião, expressando isso de forma prática. Já a religião não faz apelo a razão, mas a afetividade. A religião não é uma entidade da razão mas sim da afetividade, pois apela ao instinto de ser feliz, aos sentimentos de medo, esperança, ao medo do inferno, a tudo aquilo que obriga a necessidade de crer. Mas o conceito mais elevado, a essência superior da religião é Deus. Sendo assim, o supremo delito é duvidar de Deus ou duvidar de que existe um Deus. Tudo que é bom e que surpreende o homem espontaneamente, que vai além da consciência prática, vem de Deus e tudo que é ruim, mau, nefasto, que surpreende espontaneamente em seus propósitos morais ou religiosos, vem do diabo. O demônio é o negativo, o mal que vem da essência não da vontade. Deus é o positivo, o bem que vem da essência não da vontade consciente. Tanto Deus quanto o diabo têm a mesma origem, somente a qualidade dessa energia é que é diversa ou oposta. Por isso mesmo a crença no demônio estava intimamente relacionada com a crença em Deus até tempos recentes, de forma que a negação do demônio era tida como ateísmo assim como a negação de Deus. Para Feuerbach a idéia do perfectum no sentido da essência de tudo o que foi criado, e que reporta a divindade de tudo que surgiu naturalmente e que está presente na natureza, é o que expressa a totalidade de um sentido religioso original, pois o espírito da religião surgiu justamente de um passado onde a atuação de Deus é compreendida dentro desta idéia maior de perfeição, unicidade e harmonia. A religião é anulada quando se introduz entre Deus e os homens a concepção do mundo, das chamadas causas intermediárias. A causa intermediária é uma capitulação da inteligência descrente diante do coração ainda crente. O que rompe a harmonia da conexão do homem com Deus é a introdução da concepção do mundo de forma racionalizada “uma capitulação da inteligência descrente diante do coração ainda crente”. A religião só toma conhecimento da existência das causas intermediárias, das coisas que estão entre Deus e o homem, através da contemplação sensorial, natural, portanto irreligiosa ou pelo menos não religiosa, uma contemplação que ela no entanto abate ao fazer das atuações da natureza as atuações de Deus. Mas a esta idéia religiosa contradiz a razão e o nexo natural, que concede as coisas naturais uma autonomia real. É justamente a partir daí que a religião passa a fazer da inegável atuação das coisas uma atuação de Deus através dessas coisas. “O essencial, o principal é aqui Deus e o não-essencial, o supérfluo é o mundo”. Por outro lado quando as causas intermediárias são postas em atividade, a coisa muda, passando a natureza a ser o essencial e Deus o não essencial. Deus é aqui um ser somente hipotético, derivado, não mais absolutamente necessário, original, mas apenas um ser surgido da dificuldade de uma razão restrita, para a qual a existência de um mundo por ela transformado numa máquina é inexplicável sem um princípio autonomo. Deus não existe por si, mas por causa do mundo, só existe para explicar a causa primeira do mundo máquina. O homem racional limitado se choca com a existência do mundo originalmente autônoma porque ele só a considera sob o ponto de vista subjetivo-prático, só em sua generalidade, só como uma máquina, não em sua majestade e imponência, não como cosmos. Com o choque que isto causa o homem passa a conceber para o mundo uma origem mecânica. A concordância entre a consciência religiosa e a mecânica é apenas na concepção de que o mundo é um mero produto da vontade, ou seja, ele foi feito, não se fez sozinho, pois o mecanicismo só necessita de Deus para o fabrico do mundo, o mecanicista interrompe e abrevia a atividade de Deuas através da atividade do mundo, enquanto que a religião só faz o mundo para mantê-lo sempre na consciência da sua nulidade, da sua dependência de Deus. A criação é para o mecanicista o último fio delgado que ainda une a religião a ele. A religião para a qual a nulidade do mundo é uma verdade presente é para ele apenas a reminiscência da juventude. Por isso transporta ele a criação do mundo, o ato da religião, o não-ser do mundo para a distância, o passado, enquanto que a autonomia do mundo que envolve todo o seu pensar e agir, atua sobre ele com o poder do presente. Tal qual como a criação no sentido mecanicista, o mesmo acontece com os milagres que se pode aceitar, porque de fato existem, pelo menos na opinião religiosa, mas que só podem ser aceitos quando transportados para o passado, pois no presente ele exige tudo de modo natural. Quando já se perdeu alguma coisa pela razão, pelos sentidos, quando não mais se crê em algo de modo espontâneo, mas só se crê porque se crê, porque deve se crer na coisa por algum motido. Quando uma fé é internamente passada, então transporta-se também externamente o objeto da fé para o passado. Com isso a descrença se liberta, mas ao mesmo tempo ainda concede à crença um direito pelo menos histórico. O passado é aqui o feliz remédio entre crença e descrença. Da mesma forma, a criação é uma ação imediata de Deus, um milagre, pois não existia nada ainda, exceto Deus. Mas, o mecanicista evita o contato imediato com a divindade, ao transformar o presente, inserindo milênios entre a sua concepção natural ou materialística e entre a idéia de uma ação imediata de Deus. No sentido da religião éo contrário, Deus é o conceito que supre a falta da teoria. Ele é a explicação do inexplicavel que nada explica porque deve explicar tudo sem distinção. Deus é a noite da teoria mas que torna claro o espírito. O ato esencial da religião, no qual ela confirma o que denominamos como sua essência, é a oração. A oração é onipotente porque o que o devoto deseja com a oração, Deus realiza. Mas o devoto não pede só coisas espirituais, pede também coisas que estão fora dele, em poder da natureza. Deus não é para ele a causa distante, primeira, mas a causa atuante mais próxima, direta, de todos os fenômenos naturais. Todas as chamadas forças e causas intermediárias não são nada para ele na oração, se fossem algo para ele, o poder, o fervor da oração iria fracassar diante delas. O devoto quer ajuda imediata. Ele se refugia na oração com a certeza de que a oração possui poderes sobre-humanos e sobrenaturais. Na oração ele dirige-se diretamente a Deus. Deus é para ele portanto, a causa imediata, a oraação atendida, o poder que realiza a oração. A atuação imediata de Deus é um milagre, é por isso que o milagre está necessariamente ligado à concepção da religião. A religião explica tudo de maneira milagrosa, pois quando começa a religião, começa o milagre. Toda oração verdadeira é um milagre, um ato de poder milagroso. Mas os milagres só acontecem em casos extraordinários, quando o espírito está exaltado. Por isso existem também milagres de cólera. Com sangue frio nenhum milagre é realizado. É na exaltação que se manifesta a intimidade. O homem não ora semre com o mesmo fervor e intensidade, é por isso que muitas orações acabam sendo mal sucedidas. Somente a oração muito sentida manifesta a essência da oração. É o mesmo o que acontece com os milagres. Milagres acontecem quando o desejo do devoto por tal coisa reflete a essência da oração, algo imbuido de uma força divina. Na religião o homem coloca necessariamente a sua essência fora de si, coloca a sua essência como uma outra essência. Deus é o seu outro eu, sua outra metade perdida, na qual ele se completa. Só em deus o homem é total. Deus é para ele uma necessidade, quando lhe falta algo que ele não sabe o que é, Deus é este algo que falta, é o indispensável para ele, pois Deus pertence a sua essência.