17.1.10

INTRODUÇÃO

Neste trabalho de Monografia apresentamos os traços fundamentais da crítica de Ludwig Feuerbach ao fenômeno da religião, sobretudo na forma como conduz seus argumentos sobre a idéia de Deus. Com o objetivo de demonstrar que a teologia deve ser destruída em favor da antropologia, procuramos discorrer na maneira como o autor reduz os atributos divinos da teologia em atributos humanos da antropologia, não de uma forma simplesmente cética, mas de maneira rigorosa, profunda e crítica.

Em Feuerbach vamos encontrar a primeira crítica que a filosofia faz à religião como doutrina. Tarefa que, aliás, acabou por comprometer sua carreira para o resto da vida. Na obra A Essência do Cristianismo ele procura desconstruir a teologia para formar a antropologia, procurando demonstrar que a idéia de um Deus pleno à luz da teologia revela a existência de um ser perfeito, transcendente, onipotente, universal, infinito e absoluto que o homem não é, nem pode ser. Já a antropologia, um conhecimento sistemático a respeito do homem, vai demonstrar que a finitude das capacidades humanas reside exatamente no real limitado, que a plenitude de Deus gera um ser humano pecador e sem sentido. Por isso, desconstruir a teologia em Feuerbach, significa demonstrar as falhas dessa idéia quando relacionada ao homem e o equívoco desta noção universalista, procurando provar através da desmitificação da teoria religiosa que a absolutidade de Deus só esvaece o homem.

A necessidade de abordar o pensamento deste autor se deu não só pelo fato de constatarmos uma lacuna no tocante a estudos críticos sobre seu pensamento na bibliografia filosófica brasileira, mas também, e principalmente, pela sua relevância num momento de importante virada da maneira de filosofar no Ocidente, marcando a ruptura com os sistemas idealistas dos séculos XVIII e XIX.

Feuerbach é, geralmente, conhecido por sua crítica filosófica a religião e ao cristianismo, como podemos constatar nas suas principais obras: A Essência do Cristianismo e Preleções sobre a Essência da Religião. Além dessas duas publicou: "Pensamento sobre a morte e sobre a imortalidade" (1830); "Crítica à filosofia hegeliana" (1839); "Teses provisórias para a reforma da filosofia" (1843); "Princípios da filosofia do futuro" (1844); "A essência da religião" (1845); "Teologia segundo as fontes da antiguidade clássica judaica-cristã" (1857); "Divindade, liberdade e imortalidade do ponto de vista da antropologia" (1866); "Espiritualismo e materialismo" (1866); "O eudemonismo" – obra póstuma.

Apesar de não termos por objetivo aqui abordar detidamente a história da recepção do pensamento feuerbachiano, observamos nas pesquisas realizadas sobre Feuerbach, que sua obra na maioria das vezes é considerada somente, ou em relação à filosofia hegeliana ou na sua relação com o pensamento de Marx. A originalidade e a autonomia da filosofia de Feuerbach ficaram praticamente esquecidas e sua filosofia tratada apenas como passagem do idealismo de Hegel para o materialismo de Marx. No entanto, o que podemos constatar também em nossas pesquisas, é que Feuerbach ocupa uma posição muito especial na historia da filosofia, na medida em que marca, no século XIX, a ruptura com a especulação, especialmente com a filosofia de Hegel, vindo a influenciar profundamente o pensamento moderno.

A questão de Deus em todos os tempos, sempre interessou ao homem. Ter escolhido para Monografia de final do curso de Licenciatura em Filosofia uma obra que abordasse a questão da religião, foi algo muito significativo para mim, pois aqui tive a oportunidade de combinar os interesses do curso com meus interesses intelectuais particulares. Neste trabalho de pesquisa para a compreensão do processo feuerbachiano de transformação da teologia em antropologia, pude encontrar uma grande afinidade com pensamentos que sempre me interessaram aprofundar, relacionados ao problema de Deus e da religião, como por exemplo, a razão de ser da necessidade do homem de buscar incessantemente por algo além de si mesmo, muitas vezes com isso negando a sua própria divindade.

Por isso, o título-questão deste trabalho - Por que a plenitude de Deus inviabiliza a finitude do homem, na obra A Essência do Cristianismo, de Ludwig Feuerbach. Aqui, pretendo evocar todas as significações possíveis do ponto de vista deste autor para demonstrar que a infinitude de Deus e a potencialização do fenômeno religioso pelo homem, torna inexeqüível a sua tarefa finita. Pela dificuldade de reconhecer em si mesmo a existência de uma essência positiva e infinita, esse homem acaba por transformar-se num ser fraco, pecador, sem sentido e alienado diante de algo maior e mais poderoso que ele, um ser em quem não admite a possibilidade de equiparar-se.

“A Essência do Cristianismo contém uma crítica radical da teologia. Mais do que isto, ela contém uma “demitologização” das pretensões teóricas da religião. Como, portanto, justificar a nossa afirmação anterior, de que Feuerbach era um apaixonado pela religião? Ele mesmo nos dá a resposta. Sua intenção não era destruir, mas redescobrir; não silenciar a voz da religião, como ilusão ou quimera, mas oferecer um código que nos permitisse entender os seus segredos”. [1]

Feuerbach considera que sua obra se propõe ao desenvolvimento de uma nova filosofia, uma filosofia que seja fiel ao homem e não a uma escola ou corrente. Para tanto adota como objeto principal a religião e, em particular, o cristianismo. Por considerar que a religião é a essência imediata do homem, e que, além disso, contém toda uma simbologia capaz de explica-la, é através dela que procura desvendar os tesouros escondidos no mais profundo da alma humana, principalmente com a finalidade de reduzir atributos divinos da teologia a atributos humanos da antropologia.

A questão da alienação é um ponto bastante relevante para a compreensão do fenômeno religioso em Feuerbach. O autor considera que o êxtase e o arrebatamento religiosos seriam as formas mais intensas de manifestações da alienação humana. A alienação religiosa faz com que o homem real não seja pleno, coisa que só é possível a partir de um investimento no seu ser finito. Segundo Feuerbach há uma unidade entre o finito e o infinito, essa unidade não se realiza em Deus ou na Idéia Absoluta, mas sim no homem, em um homem que não pode ser reduzido a puro pensamento, mas que deve ser considerado em sua totalidade, em sua naturalidade e em sua sociabilidade.

Sabemos que a religião sempre desempenhou um papel fundamental na história do homem concreto. O próprio autor defende a idéia de que devemos procurar nos entender como um todo. No momento em que isso ocorrer, ou seja, quando aprendemos a nos relacionar com a nossa própria essência, nesse instante, podemos compreender outras possibilidades de relações existentes no próprio homem.

“A religião é o solene desvelar dos tesouros ocultos do homem, a revelação dos seus pensamentos íntimos, a confissão pública dos seus segredos de amor.”[2]

O homem desloca o seu ser para fora de si antes de encontrá-lo em si: e esse encontro, essa aberta confissão ou admissão de que a consciência de Deus nada mais é do que a consciência da espécie acaba por consignar que de fato, todas as qualificações do ser divino são qualificações do ser humano - o ser divino é unicamente o ser do homem libertado dos limites do indivíduo, isto é, dos limites da corporeidade e da realidade, mas objetivado, ou seja, contemplado e adorado como outro ser, diferente dele. Religião é o comportamento do homem perante seu próprio infinito. Nisso está a verdade. Por outro lado, a falsidade da religião está em o homem tornar, independente de si mesmo, o seu próprio ser infinito, separando-o e opondo-o como diferente de si, produzindo a bipolaridade Deus-homem, alienando assim o último, ou seja, empobrecendo-o. Tudo isso Feuerbach prova sob o argumento de que o homem é o Deus dele mesmo, que todo pensamento sobre Deus é pensamento a respeito do próprio homem: “O ser absoluto, o Deus do homem é o próprio ser do homem”.

Por isso escolhi o aprofundamento na obra de Feuerbach neste trabalho de Monografia, para tentarmos compreender, conduzidos pelos seus argumentos, a razão de ser do homem necessitar tanto da idéia de divindade, e somente a partir daí, buscar se tornar homem e realizar-se enquanto ser. Para tanto, este estudo foi dividido em três capítulos: 1° Influências recebidas e geradas, 2° Resenha da obra A Essência do Cristianismo e 3° A plenitude de Deus e a questão da inviabilidade da finitude do homem.

[1] RUBEM, Alves, O Suspiro dos Oprimidos, p.37
[2] FEUERBACH, Ludwig, A Essência do Cristianismo, p. 56

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