17.1.10

A Contradição nos Sacramentos

O 26º Capítulo, intitulado “A Contradição nos Sacramentos”, Feuerbach inicia expondo que fé e amor constituem os momentos essenciais subjetivos da religião, enquanto que os sacramentos do batismo e da ceia se apresentam como suas essências objetivas. Só existem dois sacramentos como dois momentos essenciais subjetivos da religião - o sacramento da fé é o batismo, o sacramento do amor é a ceia. A unidade dos sacramentos com a essência peculiar da religião tem como base de manifestação coisas ou elementos naturais aos quais é concedido um significado e um efeito contraditório à sua natureza, como o sentido dado à água, no caso do batismo. Feuerbach argumenta que tal qual a religião que aliena e desvia o homem da sua própria essência, a água do batismo desempenha o mesmo papel alienante, ao considerar a água totalmente diversa da comum, por não ter uma força e um significado físico, mas sim hiperfísico, servindo para purificar o homem da mácula do pecado original, expulsando o demônio inato, de maneira conciliatória com Deus. Neste sentido a água do batismo é uma água natural somente de aparência porque na realidade ela é uma água sobrenatural, ou melhor, tem efeitos sobrenaturais, o que Feuerbach por sua vez atribui apenas à imaginação. No entanto, deve ser ao mesmo tempo o elemento do batismo a água natural, pois o batismo não teria nenhuma validade e efeito se não fosse realizado com a água. A qualidade natural tem, portanto, valor e significado também por si mesma, porque só com a água, não com qualquer outro elemento, o efeito sobrenatural do batismo se associa de modo sobrenatural. A água é o líquido visível mais puro e mais claro que existe, e através desta sua qualidade natural é fácil associa-la à imagem da essência imaculada do espírito divino. Neste sentido é que a água passa a ser consagrada, tendo sido por sua qualidade natural escolhida como instrumento do Espírito Santo. Então é atribuído ao batismo um conceito natural belo, profundo. No entanto este belo sentido se perde logo após, ao ter a água um efeito que transcende a sua essência, um efeito que ela só tem através do poder sobrenatural do Espírito Santo, não por si mesma. A qualidade natural torna-se novamente indiferente. Quem transforma vinho em água pode associar arbitrariamente com qualquer elemento os efeitos da água do batismo. É por isso que o batismo não pode ser compreendido sem o conceito do milagre. O batismo é ele próprio um milagre e o milagre deve provar que o milagroso é realmente aquele que como tal se apresenta. Somente a fé baseada no milagre é uma fé provada, fundamentada, objetiva. A fé que o milagre pressupõe é somente a fé em um Messias, em um Cristo em geral, mas a fé de que este homem aqui é o Cristo, esta fé só o milagre pode levar a efeito. Por isso mesmo que muitas são as pessoas que só se tornam crentes através do milagre e o milagre acaba tornando-se a causa da sua fé, porque a fé é o poder da imaginação que transforma o real no irreal, o irreal no real, a contradição direta com a verdade dos sentidos com a verdade da razão. A fé nega o que a razão afirma e afirma o que ela nega. O mistério da ceia é justamente o mistério da fé, daí ser o prazer da fé, o momento mais elevado, o mais extasiado, o mais inebriado de satisfação da afetividade crente. A destruição da verdade não-afetiva, da verdade da realidade, do mundo e razão objetivas, atinge na ceia o seu mais alto cume porque aqui a fé aniquila um objeto imediatamente presente, evidente, indubitável ao afirmar, por exemplo, que o pão que a razão e os sentidos testemunham, é só uma aparência, pois na verdade o pão é carne. Concluindo seu raciocínio neste capítulo, Feuerbach procura demonstrar que apesar da ceia, o sacramento em geral nada ser sem a intenção, sem a fé, apresenta a religião, no entanto, o sacramento ao mesmo tempo como algo real por si mesmo, exterior, diverso da essência humana, de forma que na consciência religiosa a questão verdadeira, a fé, a intenção se torna somente um supérfluo, uma condição, mas a questão suposta, imaginada, se torna o principal. As conseqüências e efeitos desta subordinação do humano sob o suposto divino, do subjetivo sob o suposto objetivo, da verdade sob a imaginação, da moralidade sob a religião, são superstição e imoralidade. Superstição porque a uma coisa é atribuído um efeito que não está na natureza da mesma, porque uma coisa não deve ser o que ela é na verdade, porque uma mera imaginação é tida pela realidade. Imoralidade porque necessariamente, no espírito, a sacralidade do ato como tal se separa da moralidade, o gozo do sacramento, também independentemente da intenção, se torna um ato sagrado e sacralizante. Quer dizer, aquilo através do qual em geral a religião se coloca em contradição com a razão, através disto mesmo ela se coloca também sempre em contradição com o sentido moral.

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