17.1.10

CONCLUSÃO

Como vimos, para Feuerbach “a religião é um sonho da mente humana”, o que sugere que as imagens religiosas seriam como os sonhos, símbolos importantes para compreensão desta essência humana. Já que, para ele, o homem não toma consciência da própria essência de forma direta, a essência utilizaria como canal de revelação uma simbologia especial cujo significado permanece oculto ao próprio indivíduo, sendo revelado através dos símbolos religiosos. Podemos dizer que hoje a psicologia do inconsciente, principalmente a psicologia junguiana, confirma a teoria feuerbachiana quando também entende os sonhos como a auto-expressão da psique, um drama que se desenrola do ponto de vista do inconsciente e que visa levar ao ego informações também em forma de símbolos, sobre o eu total. Vistos dessa forma, podemos observar uma evolução na concepção de Feuerbach a respeito dos sonhos como símbolos reveladores da natureza humana. De maneira semelhante a ciência moderna também, através da física quântica, procura interpretar ensinamentos como o que diz que ‘fomos criados à imagem e semelhança de Deus’, que ‘somos a centelha da fonte criadora’, demonstrando que o homem tem um potencial interno capaz de criar seu universo, a sua realidade e a experiência externa em que vive, e mais, que quanto mais consciente da própria essência estiver, mais livre e independente pode se tornar.

Neste sentido, o que Feuerbach procurou demonstrar é que a libertação do homem somente se dá com a negação de Deus, pois a religião é expressão e causa da alienação humana - “o conhecimento que o homem tem de Deus é apenas autoconhecimento do homem, da sua própria essência.” O ateísmo é necessário para que as classes oprimidas possam lutar por sua libertação, pois “só o homem pobre tem um Deus rico”, sendo assim, o correlato metafísica da fé, inexiste, Deus objeto da crença, não existe, mas, o que acontece é que o homem projeta a idealização de suas qualidades próprias em um ser transcendente. Feuerbach nega assim o correlato metafísico da fé, não a projeção. Ao projetar a si mesmo o homem aliena-se de si mesmo gerando a divisão em si mesmo. A alienação religiosa, segundo ele, é tomar como Deus algo que na verdade é apenas expressão do próprio homem, uma ilusão. O drama de Feuerbach é também o drama do homem contemporâneo que simultaneamente rejeita Deus para aceitar o divino que existe dentro de si. Esta é a grande aquisição na compreensão da teoria crítica feuerbachiana. A crítica de Feuerbach à religião é um momento da sua universal filosofia materialista e doutrina sensualista – tudo o que não é matéria e sentido é ilusão e alienação. Pode-se considerar que existem diferentes pontos de vista sobre o fenômeno da religião e de Deus e que, muitas vezes, são incompatíveis entre si. Esses diferentes pontos de vista proporcionam um diálogo permanente entre homens livres. Assim, parece que a verdade absoluta e definitiva permanece inacessível. Diante disso, podemos dizer que a visão de Feuerbach de Deus e da religião não é única, deixando espaço aberto para novas interpretações. Por isso mesmo, podemos afirmar que Deus é a força do futuro, quer dizer, ele é a resposta à situação fundamental do homem. Esta resposta não elimina, vivifica a criatividade humana. A fé em Deus confere então ao homem o seu sentido último, como inspirador da ação humana. A esperança no futuro abre um leque de possibilidades para projetos dentro da história, libertando-nos da angústia existencial e enchendo-nos de coragem. É certo que as objeções feitas pelo ateu, muitas vezes, atingem compreensões errôneas de Deus, da religião e da fé. Deus como sentido último não é tão mesquinho que cerceie a liberdade humana, mas antes promove as possibilidades naturais. Sob este ponto de vista, o ateísmo contemporâneo poderá ser um purgatório para a própria fé, ao menos para a fé cristã.

A questão do sentido é inevitável para o homem. Como procurou demonstrar Feuerbach, o homem se distingue do animal por sua abertura ao mundo. Tem que criar seu ambiente. Somos dom e tarefa ao mesmo tempo. Diariamente o homem deve forjar-se a si mesmo, seu rosto, seu jeito humano. Assim a questão do sentido é originária e pertence essencialmente à existência humana e pode variar através da história. O homem moderno, que vê o mundo como criação sua e o conhecimento não como representação, mas produção, não encontra mais vestígios de Deus, mas só seus próprios vestígios. Assim, a questão do sentido deslocou-se. Tornou-se a si mesmo como ponto de referência da realidade. Procura Deus na consciência e na liberdade. Agora a possibilidade do encontro com Deus está na profundidade do homem. O caminho antropológico também se mostrou problemático, como vimos em Feuerbach. Não acabará o homem por encontrar-se apenas a si mesmo? De outro lado, Marx mostrou que o homem real só existe em suas relações sociais e pessoais concretas. O homem existe apenas no interior da história da humanidade. Agora a questão do sentido emerge na história. Evidentemente, esse desafio não se enfrentará com mero recurso às provas clássicas da existência de Deus. As provas não substituem a fé. Esta também conhece a experiência da ausência de Deus. Mas, apesar de tudo, temos que reconhecer a legitimidade da filosofia ou teologia natural. Para o cristão, por exemplo, a fé, sem dúvida, é graça. Constitui, todavia, ato humano. É o homem que crê. Como ato humano exige razões. Deve ter sentido e ser intelectualmente honesta e responsável. Do contrário não seria digna de Deus, nem do homem.

A filosofia por sua vez, não poderá estar desvinculada do contexto cultural e social em que emerge. Hoje se percebe problemas novos, novas maneiras de se pensar o problema de Deus e da religião, mas nunca se percebe tudo de vez. Nossas perguntas surgem em situações concretas e tentamos responder-lhes em situações determinadas. Este relativismo caracteriza-nos como seres finitos. Caberá perguntar ao ateu se tem uma proposta melhor, se tem uma resposta melhor para a busca do sentido do homem e da humanidade. A discussão verdadeira entre crença e a não-crença é qual atitude, a fé ou a descrença, faz mais justiça à realidade do homem. A fé reencontra seu lugar na experiência do homem, pois quem está em jogo é o próprio homem e sua esperança na história.

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