17.1.10

3.1. INFINITUDE DE DEUS x FINITUDE HUMANA

Quando imaginamos uma coisa como finita pensamos imediatamente em algo que tenha fim, que seja transitório, contingente e que por isso mesmo seja limitado no seu tempo e espaço. A idéia de infinito, ao contrário, nos reporta a uma coisa maior, a algo tão grande que a nossa mente tem até dificuldade de abarcar, tamanha a sua extensão. Infinito portanto, refere-se ao inumerável, incalculável, àquilo considerado de intensidade extrema, que tende constantemente a aumentar ou a se acrescer algo novo. O homem de alguma maneira sempre buscou o entendimento sobre essa questão. Os seres humanos e todas as outras criaturas particulares são objetos finitos da natureza. O homem não pode conhecer o infinito, pois todo conhecimento é originado pela relação dos seus sentidos com as coisas que a eles se apresentam. Todo corpo é finito, por definição, e ocupa um lugar no espaço, por isso podemos percebê-lo. O infinito, por sua vez, é ilimitado, é desconhecido.

A palavra infinito é originária do latim Infinitum, e apresenta três significações para ela. A primeira se refere ao conceito matemático de Infinito, que trata da disposição ou qualidade de uma grandeza[1]O segundo conceito diz respeito a natureza teológica de infinito, enquanto que o terceiro vai abordar o sentido filosófico desta palavra. Aqui nos limitaremos apenas aos dois últimos conceitos por compreendermos que está mais no centro da questão objeto desta monografia.

O conceito de Infinito segundo a natureza teológica considera que teologicamente o infinito é intensivo, ou seja, em todos os sentidos equivale a dizer perfeito, no sentido de maximamente completo. Também se diz infinito no plano da forma, ou infinito no plano da essência. Então infinito é o que não se limita por qualquer determinação qualificante. Este é o infinito que se atribui a Deus, portanto no sentido de maximamente ser. O infinito em Deus é real (ou atual) e não potencial (ou imaginativo). O infinito potencial o imaginamos acontece no espaço (ou na matemática), ou em qualquer outro elemento ao qual imaginamos poder acrescer algo, ainda que de fato isto não aconteça. Como decorre da natureza de Deus o atributo da infinitude? O argumento que prova a existência de Deus pelos graus de perfeição conduz diretamente ao máximo de perfeição da forma, e portanto ao infinito intensivo, ou seja ao ser infinitamente perfeito.

O argumento, que está apoiado na causa formal, é portanto aquele que mais adequadamente conduz a Deus. Este argumento não somente reclama sua existência, como ainda o revela pela sua natureza essencial. Mas a compreensão interna do infinito como atributo da natureza de Deus se procede a partir da noção de Deus como ser subsistente. Em primeiro lugar Deus é a existência pura, sem determinação modalizante, ou seja, sem qualquer outro elemento. A decorrência desta liberação da existência é o infinito. Uma coisa leva à outra e não pode ser concebida sem a outra. Há uma relação de causa formal e de efeito formal entre a existência e sua infinitude. Deus não tem qualquer determinação limitante, nem de quantidade, nem de outra qualquer categoria; a consequência formal é a sua infinitude intensiva.Já a conceituação de Infinito Filosófico que é a não completude, diz que a realidade é limitada e o que é impossível de ser completado é infinito. Anaximandro que viveu em Mileto a cerca de 585 a.C. achava que nosso mundo era apenas um dos muitos mundos que surgem de alguma coisa que se dissolve nesta alguma coisa a que ele chamava de infinito[2].

Kant considerava que nas grandes questões filosóficas a razão operava fora dos limites daquilo que nós, seres humanos, podemos compreender. Por outro lado, uma característica intrínseca à nossa natureza, à nossa razão, seria justamente um impulso básico no sentido de colocar essas perguntas. Só que quando perguntamos, se o Universo é finito ou infinito, na verdade queremos saber algo sobre um todo do qual nós mesmos somos apenas uma (ínfima) parte. Assim, nunca poderemos conhecer inteiramente este todo[3].

Henrik Steffens, pesquisador natural norueguês, caracterizando o movimento romântico citou as seguintes palavras: “Cansados da eterna luta por abrir um caminho pela matéria bruta, escolhemos outro caminho e nos lançamos apressados, aos braços do infinito. Mergulhamos em nós mesmos e criamos um novo mundo” [4]

Portanto, não temos uma idéia positiva da infinitude, mas apenas uma idéia negativa, que se constitui na negação da nossa própria finitude, demonstrando os nossos limites e a nossa incapacidade de conceber a infinitude. Portanto, nós não temos a idéia do infinito do mesmo modo como temos a idéia do finito, pois ela é uma idéia que se constitui negativamente, ou seja, o infinito é inconcebível: podemos dar um significado a essa palavra por meio da negação, mas não podemos concebê-la do mesmo modo que concebemos as coisas que realmente conhecemos. Isso ocorre porque não somos capazes de conceber algo que não tenha sua origem na sensação.

A conseqüência da impossibilidade da representação e do conhecimento do infinito é a impossibilidade da representação e do conhecimento de Deus. Podemos inferir a existência de Deus, mas não temos nenhum conhecimento da sua essência. Assim como o infinito, ele é inconcebível, pois, do mesmo modo que não temos uma idéia positiva do infinito, também não a temos da onipotência e da independência. Todos os atributos de Deus são atributos negativos que expressam uma grandeza e um poder acima de nossa compreensão. Hobbes dirá que o nome de Deus é usado para provocar veneração e admiração, em virtude de seus atributos ilimitados. Porém, a idéia de Deus nada significa no que tange ao conhecimento, é apenas um nome conferido a um ser dotado de atributos inconcebíveis: “Portanto o nome de Deus é usado, não para nos fazer concebê-lo (pois ele é incompreensível e sua grandeza e poder são inconcebíveis), mas para que o possamos venerar”[5]Em Feuerbach vamos encontrar a primeira crítica que a filosofia faz à religião, no sentido de desconstruir a teologia para formar uma antropologia, demonstrando que idéia de um Deus pleno através da teologia revela a existência de um ser perfeito, transcendente, onipotente, universal, infinito e absoluto que o homem não é, nem pode ser. Através da antropologia, conhecimento sistemático a respeito do homem, procurou demonstrar que a finitude das capacidades humanas reside exatamente no real limitado, que a plenitude de Deus gera um ser humano pecador e sem sentido. Por isso, desconstruir a teologia em Feuerbach, significa demonstrar as falhas dessa idéia quando relacionada ao homem e o equívoco desta noção universalista, procurando provar através da desmitificação da teoria religiosa que a absolutidade de Deus só esvaece o homem. Pela dificuldade de reconhecer em si mesmo a existência de uma essência positiva e infinita, esse homem acaba por transformar-se num ser fraco, pecador, sem sentido e alienado diante de algo maior e mais poderoso que ele, um ser em quem não admite a possibilidade de equiparar-se.

Segundo Feuerbach há uma unidade entre o finito e o infinito; Todavia, essa unidade não se realiza em Deus ou na Idéia Absoluta, mas sim no homem, em um homem que não pode ser reduzido a puro pensamento, mas que deve ser considerado em sua totalidade, em sua naturalidade e em sua sociabilidade. O homem desloca o seu ser para fora de si antes de encontrá-lo em si: e esse encontro, essa aberta confissão ou admissão de que a consciência de Deus nada mais é do que a consciência da espécie, acaba por consignar que de fato, todas as qualificações do ser divino são qualificações do ser humano - o ser divino é unicamente o ser do homem libertado dos limites do indivíduo, isto é, dos limites da corporeidade e da realidade, mas objetivado, ou seja, contemplado e adorado como outro ser, diferente dele. Religião é o comportamento do homem perante seu próprio infinito. Nisso está a verdade. Por outro lado, a falsidade da religião ideológica ou teológica, está em o homem tornar independente de si mesmo o seu próprio ser infinito, separando-o e opondo-o como diferente de si, produzindo a bipolaridade Deus-homem, alienando, assim, o último, ou seja, empobrecendo-o. [6][1] Os pensadores da Antiguidade anteriores a Pitágoras (século V a.C.) Já eram atormentados por esse tema. Mas foi só no final do século XIX na Alemanha com Georg Cantor (1845-1918) que a idéia de infinito foi realmente consolidada na matemática. Sua teoria era revolucionária e, por isso mesmo, acabou gerando embates e animosidades entre os matemáticos da época. Pessoalmente, Cantor acreditava que existiam vários níveis de infinito. O mais alto deles, o Absoluto e intangível, era o próprio Deus. Seu caráter místico e sua mente conturbada devem tê-lo levado a se debruçar sobre tal tema tão profundo, revolucionário e ousado na matemática. Kronecker aproveitava o lado esotérico de Cantor para acusar suas teorias matemáticas de misticismo ficcional. Segundo o ex-mestre, cientistas não deveriam dar crédito ao seu ex-aluno, e seus trabalhos ‘subversivos’ deveriam ser rejeitados pelas revistas científicas renomadas. Como resultado, Cantor sempre trabalhou sozinho e fora do centro da comunidade matemática. Suas frustrações e as perseguições, somadas ao trabalho estafante e solitário – e ao caráter explosivo e irritadiço do matemático -, acabaram por minar a sua saúde mental. Ele foi internado várias vezes para se recuperar das depressões, mas, entre uma crise e outra, prosseguia no trabalho.
[2] WIKIPÉDIA, A Enciclopédia Livre – Pré-Socraticoshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%A9-socr%C3%A1ticos
[3] WIKIPÉDIA, A Enciclopédia Livre – Immanuel Kanthttp://pt.wikipedia.org/wiki/Kant
[4] GAARDER, Jostein, O Mundo de Sofia, Cap 26, Romantismo
[5] ZERBINA, Márcia, Artigo: O Infinito e Deus em Hobbes – UFGO - Philósophos 8http://www.iphi.com.br/pdfs/O%20infinito%20e%20deus%20em%20Hobbes.pdf
[6] FEUERBACH, Ludwig, A Essência do Cristianismo, p. 71 e 72

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